terça-feira, 22 de março de 2011

Unidade III. Documento na História/ O método histórico em questão

O método histórico em questão.

1. Método histórico tradicional.
Seu desenvolvimento se deveu em primeiro lugar ao surgimento de disciplinas voltadas para a análise de documentos e medievais. A erudição francesa teve em Dom Mabillon seu nome mais conhecido, pioneiro na análise da autenticidade ou falsidade dos documentos da Idade Média (DE RE DIPLOMÁTICA, 1686). A sistematização da crítica documental foi sendo elaborada pouco a pouco, desde o Renascimento e, sobretudo a partir do século XVII. No século XIX, os pressupostos de um método de caráter eminentemente empírico serviram de base para a organização da disciplina histórica, em termos institucionais. Neste século, foram os historiadores alemães – em especial Leopold Von Ranke – e posteriormente os membros da Escola Metódica Francesa, os responsáveis pela formalização do método crítico aplicado aos documentos históricos.
No século XIX, Langlois e Seignobos afirmaram: “a história se faz com documentos. Porque nada substitui os documentos: onde não há documentos não há história”. Numa afirmação como esta há algo de verdadeiro e algo de falso. Verdadeiro, porque efetivamente a ausência de fontes impede que o historiador possa realizar plenamente a sua função: como comprovar sem elas as suas hipóteses de trabalho? Por outro lado, é falsa, pois condiciona todo o conhecimento histórico, e, por conseguinte, todo o trabalho do historiador a recopilação de fontes escritas, importantes para o conhecimento histórico, mas não exclusivamente. A parte fundamental do método tradicional voltava-se, portanto, para o tratamento das fontes escritas, baseado em dois procedimentos fundamentais: a heurística e o apoio nas chamadas disciplinas auxiliares.
v                  Heurística: atividade que consiste em localizar, reunir e classificar as fontes históricas, através da criação de listas, repertórios, inventários, índices remissivos, algumas vezes, publicando os de natureza manuscrita considerados de grande importância. Hoje em dia, em comparação com o século XIX, a heurística dispõe de vários meios adicionais de armazenar e fazer circular informações necessárias ao trabalho histórico, tais como: banco de dados, microfilmes, microfichas, fotocópias, etc.
v                  “Disciplinas auxiliares”: numismática, diplomática, filologia, sigilografia, paleografia, genealogia, cronologia, etc. Atualmente, tais disciplinas são consideradas com mais autonomia.

2. Princípios básicos do método histórico renovado.
A escola metódica do século XIX – e suas variantes por todas as partes do mundo – sofreu críticas de diversos setores da produção historiográfica – notadamente das correntes ligadas ao materialismo histórico e pela Escola dos Annales. Tais críticas baseavam-se na premissa de que as fontes não falam por si só, os historiadores devem fazer-lhes perguntas. Perguntas que não decorrem das próprias fontes, mas são decorrentes da cultura histórica do pesquisador, de sua base teórica, enfim, de um conjunto de conhecimentos exteriores ao documento com o qual se está trabalhando.
Neste sentido, uma primeira pergunta que o historiador deve propor é: que papel representa na prática do historiador o conhecimento baseado ou não em fontes? Para o historiador polonês, Jerzy Topolsky, quando elegemos o campo a ser estudado ou as hipóteses de trabalho, e mais tarde quando estabelecemos explicações causais e fazemos generalizações, nos apoiamos, sobretudo nos marcos teóricos, no conhecimento dos códigos pertinentes às mensagens que são as fontes históricas, no conhecimento de outros fatos e processos de comparação. Por outro lado, na etapa intermediária que consiste no estabelecimento de fatos e processos históricos que interessam especificamente a investigação que se está realizando, ainda que intervenham conhecimentos externos a elas, o papel das fontes é de fundamental importância. Sendo assim, toda a fase prévia estava destinada a preparar a etapa intermediária (operações analíticas realizadas mediante ao uso das fontes), aquela na qual surgem as condições que permitem introduzir conhecimentos novos resultantes da pesquisa concreta de que se trate, através do processamento do material investigado. As construções teóricas de todo o tipo carecem de valor se em nenhum momento não são submetidas à prova da história real.

Etapa intermediária - operações analíticas realizadas mediante ao uso das fontes:
Crítica externa dos documentos - dividida em três etapas:
a) erudição ou autenticidade: avaliar se o documento é verdadeiro ou falso, avaliar as alterações que sofreu ao longo do tempo e identificar o autor;
b) restituição ou veracidade: tentativa de restaurar ao documento ao seu estado original;
c) procedência ou localização: determinar a data, o local, a autoria e a origem. Todos estes procedimentos variam de acordo com a natureza da fonte – escrita, visual, oral.
Crítica interna ou veracidade dos testemunhos – dividida em duas etapas:
a) hermenêutica: interpretação, que consiste em apreender o conteúdo exato e o sentido de um texto, partindo de um conhecimento aprofundado da língua da época e das convenções culturais vigentes no período de sua composição (modas intelectuais, etiquetas, fórmulas de cortesia, estilos, etc). em linguagem moderna, hermenêutica consiste numa série de operações de transcodificação (passagem de um código para o outro);
b) crítica de sinceridade: consiste em avaliar se são creditáveis as informações contidas no texto, sendo complementada pela crítica de exatidão, que restabelece o grau de conhecimento direto efetivo que poderia ou não ter o autor, segundo sua posição em relação aos fatos que enuncia. A forma de proceder é a comparação sistemática de todos os testemunhos disponíveis para cada fato, dado ou processo.
Atualmente, existem outras perspectivas para a crítica interna, tendo em vista, o fato de que já é possível se afirmar que: não há testemunho transparente – mesmo verdadeiro é preciso aprofundar na análise das condições de produção do testemunho histórico. Tal pressuposto obrigou o desenvolvimento, por parte dos historiadores, de uma crítica aprofundada em dimensões jamais imaginada pelo historiador oitocentista. Hoje, os textos não são tratados apenas em seus conteúdos ou enunciados, mas mediante a métodos de análise de discurso, enunciação, com apoio de uma teoria social. Em outras palavras, procura-se determinar as condições sócio-históricas da produção dos testemunhos.

Unidade II. História da História: Os diversos regimes de historicidade / História como disciplina acadêmica no século XIX

II. História da História: Os diversos regimes de historicidade

História como disciplina acadêmica no século XIX

A Escola Histórica Francesa, cria da no século XIX, foi  responsável pela profissionalização do historiador e pela determinação de uma prática historiadora. Conhecida como Escola Metódica, por justamente estabelecer as bases do método histórico, foi muitas vezes chamada de positivista, fato rejeitado por alguns autores que encaram tal denominação como um erro.
A Escola Metódica ao fundar um novo campo para a prática historiadora, associado ao espaço acadêmico, estabelece as regras e os princípios básicos da escrita da história oitocentista – conhecido como o método histórico. Este método incorporaria os princípios básicos da prática erudita, associando-os aos pressupostos teóricos do historicismo e à concepção objetivista reinante nas disciplinas acadêmicas de antanho.
Tal tendência conquistaria a hegemonia em distintas regiões do mundo, sendo representada no Brasil, pelo IHGB.

Introdução:
Longevidade da Escola Metódica: aparece, manifesta-se e prolonga-se durante o período da Terceira República na França.
O projeto de História da Escola Metódica: Os seus princípios fundamentais estão expostos em dois textos-programas: o manifesto, escrito por G. Monod, para lançar a Revista Histórica em 1876; e o guia, redigido em intenção dos estudantes por Langlois e Seignobos em 1898. A escola metódica quer impor uma investigação científica afastando qualquer especulação filosófica e visando objetividade absoluta no domínio da história; pensa atingir os seus fins aplicando técnicas rigorosas respeitante ao inventário de fontes, à crítica dos documentos, à organização das tarefas na profissão. Os historiadores “positivistas” participam na reforma do ensino superior e ocupam cátedras em novas universidades; dirigem grandes coleções, formulam programas e elaboram as obras de história destinadas aos alunos dos colégios secundários e das escolas primárias.
Características ideológicas da escola: “os manuais escolares, muito explicitamente, veneram o regime republicano, alimentam a propaganda nacionalista e aprovam a conquista colonial[...]
Escola metódica - funda uma disciplina científica e segrega um discurso ideológico que permanece vigendo até a década de 1960 na formação geral dos estudantes franceses.(Bourdé e Martin, p.97)

“A Revista Histórica”
Fundação - 1876, limitada ao âmbito universitário
Revista Histórica: ponto final de uma tradição humanista, prolongamento dos eruditos e herdeiros dos românticos, além de devedores da influência da escola histórica alemã, principalmente no reconhecimento de sua importância na elaboração de instrumentos de pesquisa, crítica de fontes e publicação de documentos.
Projeto histórico da escola metódica: história disciplina científica, cuja cientificidade é garantida por elementos formais, tais como a presença de fontes e citações, e vinculada ao ensino superior: “em grandes traços, os princípios definidos por G. Monod - a saber, o trabalho sobre arquivos, a referência às fontes, a organização da profissão - encontram-se expostos, 23 anos mais tarde, no manual de Langlois e Seignobos”(p.100).
Além da preocupação com temas religiosos expressavam uma preocupação ética através da avaliação da relação estabelecida entre os homens do passado e do presente, pautada numa idéia de continuidade e solidariedade entre passado e presente.

O discurso do método:
Langlois e Seignobos: Introdução aos estudos históricos, para formar gerações de historiadores, exercendo forte influencia na produção francesa de 1880-1930 (p.102).
Contributo: contribuíram para a constituição de uma história científica e pela rejeição dos princípio metafísicos na explicação histórica.
Significado de História para Langlois e Seignobos: “A história não passa da aplicação de documentos”, máxima tirada da teoria do reflexo, tirada de Ranke.
Epistemologia deixada de lado: a relação sujeito e objeto não é explicitada, sequer refletida, bem como a visão de documento, elaborada por eles, é de extrema limitação - só valorizam os testemunho diretos e escritos . A ciência histórica está limitada pela existência limitada de documentos.
Proposta fundamental: o inventário de materiais disponíveis através da elaboração e publicação de coleções de documentos e instrumentos de pesquisa. Enumera algumas iniciativas de preservação realizadas no XIX.
Etapas do método: crítica externa, exemplo da utilização do sistema de fichas e a sua validade;
Crítica interna: “a hermenêutica impõe freqüentemente o recurso a um estudo lingüístico, a fim de determinar o valor das palavras ou das frases[...], por outro lado, a hermenêutica obriga a interrogar-se sobre as intenções das pessoas que produziram os documentos”(p.104).
Etapa final - depois das etapas analíticas, as operações sintéticas que se dividem em três fases:
a) comparar os vários documentos para estabelecer um fato particular
b) reagrupar os atos isolados em quadros gerais
c) manejar o raciocínio, quer por dedução, quer por analogia, para ligar os fatos entre si e para encher as lacunas da documentação
d) seleção de fatos relevantes na massa de acontecimentos disponíveis ao historiador a partir dos documentos.
e) tentativa de algumas generalizações, algumas interpretações, sem manter a ilusão de “penetrar no mistério da origem das sociedades”. Tudo se passa como se, ao nível da síntese, a escola metódica tivesse medo de terminar.

A objetividade em História.
Rejeita o título de positivista para a escola metódica e apresenta um autor, L.Bourdeau, como sendo um historiador positivista cujas preocupações estavam relacionadas à idéia de totalidade e universalidade e às leis da história. Tinha um projeto de filosofia para a história, enquanto a escola rejeita a perspectiva filosófica, reconhecendo em tal postura a atriz metafísica.
Matriz conceitual da escola metódica: Ranke. Os historiadores da geração de Monod e Lavisse foram estudar além-Reno, para conhecer a estratégia de organização dos antagonistas. Aplica os princípios científicos da escola alemã à historiografia francesa.
Postulados teóricos de Ranke:
1ª regra: incumbe ao historiador não julgar o passado nem instruir os seus contemporâneos mas simplesmente dar conta do que realmente se passou;
2ª regra: não há nenhuma interdependência entre o sujeito conhecedor - o historiador - e o objeto do conhecimento - o fato histórico. Por hipótese o historiador escapa a qualquer condicionamento social, o que lhe permite ser imparcial na percepção dos acontecimentos;
3ª regra: a história - o conjunto da res gestae - existe em si objetivamente; tem mesmo uma dada forma uma estrutura definida, que é diretamente acessível ao conhecimento;
4ª regra: a relação cognitiva é conforme a um modelo mecanicista. O historiador registra o fato histórico de maneira passiva, como o espelho reflete a imagem de um objeto;
5ª regra: a tarefa do historiador consiste em reunir um número suficiente de dados, assente em documentos seguros, a partir destes fatos, e por si só, o registro histórico organiza-se e deixa-se interpretar. Qualquer reflexão teórica é inútil ou até mesmo prejudicial pois introduz elementos de especulação. Segundo Von Ranke, a ciência positiva pode atingir a objetividade e conhecer a verdade da história”(p.114)
Entre o projeto e sua execução existia uma nítida contradição, tanto pelo aspecto ideológico de suas práticas acadêmicas quanto pelo envolvimento direto do grupo na política da terceira república.

Os ataques à escola metódica partiram de três frentes:
A. Annales. Chamada pelos historiadores dos Annales de história historizante, a escola metódica era criticada em quatro pontos, a saber:
a) A história historizante só dá  atenção aos documentos escritos, aos testemunhos voluntários (decretos, cartas, relatórios, etc.), ao passo que os documentos não escritos,  ou os testemunhos involuntários (vestígios arqueológicos, séries estatísticas, etc.); informam igualmente sobre as atividades humanas.
b)A história historizante acentua o acontecimento, o fato singular, verificado num tempo curto, ao passo que é mais interessante apreender a vida das sociedades, a qual se desvenda por fatos vulgares, repetidos que se desenrolam num tempo longo;
c)A história historizante privilegia os fatos políticos, militares e diplomáticos e rejeita, erradamente, os fatos econômicos, sociais e culturais;
d)A história historizante receia empenhar-se num debate, arrisca raramente uma interpretação, renuncia previamente a qualquer síntese.
Limite da crítica dos Annales: não coloca a questão da objetividade em história; não nota a discordância, a incompatibilidade entre o voto de neutralidade científica e o preconceito político dos historiadores da escola metódica.
B. Presentismo e relativismo: atacam a questão da objetividade, destacando o total comprometimento do historiador com o presente e da total subjetividade da análise histórica. Do ponto de vista de um relativismo radical, a ciência histórica é impossível.
C. Materialismo histórico: realiza uma crítica tanto ao positivismo da escola metódica quanto ao subjetivismo radical do presentismo. do ponto de vista do materialismo histórico o conhecimento é produzido por um sujeito social, comprometido com sua classe e com o seu tempo. No entanto, tal conhecimento não é uma atividade abstrata, mas concreta, sustentada numa praxis resultado da atividade humana. A compreensão do processo histórico se dá de forma científica e objetiva levando em consideração todas as determinações sociais.

Bourdé, G. & Martin, H., As Escolas Históricas, Lisboa, Europa-América, 1983.
Cap. VI: “A Escola Metódica”, (97-118).

Unidade II. História da História: Os diversos regimes de historicidade/ Sobre o século XIX e sua filosofia

II. História da História: Os diversos regimes de historicidade

Sobre o século XIX e sua filosofia: [...]O Cristianismo tinha dado um sentido à História, mas tinha-a submetido à teologia. No século XVIII e sobretudo no XIX, queriam assegura o triunfo da História dando-lhe um sentido secularizado pela idéia de progresso, unindo as funções de saber e sabedoria, através das concepções e práticas científicas que identificavam com a realidade, e não só com a verdade (historicismo) e com a praxis (marxismo)”

As matrizes fundamentais. Introdução: a historiografia como episteme.
Historiografia do século XIX: Liberal e Romântica
Liberal: presença dos historiadores burgueses, tais como Guizot, Tierry e Tocqueville. Análise dos feitos da burguesia e da exaltação dos valores democráticos de liberdade e legalidade.
Romântica: Exaltação da idéia de nação e a história como substrato da formação da nacionalidade. A história passa a ser objeto de ensino.
Até o final do XIX, a história era tratada como um misto de ciência e arte, mas  com a propagação do pensamento científico no território dos estudos históricos, colocou-se a necessidade de elaborar um organon de sua prática. a atividade dos historiadores estava criando um saber cuja existência ostensiva se impunha à reflexão”
Dois historiadores tomaram a dianteira deste processo: J.B. Buchez (1865) - positivista -  na França e G. Droysen (1884) - historicista - na Alemanha.
Pressupostos teóricos dos dois paradigmas:

Historicismo: princípio da vontade sobre a causalidade; primado da compreensão do significado das ações humanas; estabelecimento do método histórico. “O mundo histórico constitui uma realidade própria que condiciona e distingue as ciências históricas como ciências humanas”

 

Historicismo (por O. Demoulin)

Entre o 1870 e 1920, vários pensadores alemães, Dilthey, Rickert, Simmel, minaram os fundamentos do cientificismo na história. Diante do positivismo que identificava objetividade e história científica, sua “filosofia crítica da história”, o historicismo, demonstra que todo o conhecimento objetivo do passado só se realiza através da experiência subjetiva daquele que o estuda. Além dos matizes teóricos, o historicismo tem o mérito de desvendar a intervenção do historiador na triagem e na organização dos fatos; agindo em nome de uma concepção implícita do mundo, o historiador limita-se a refletir a história do seu tempo. Pensamento dominante no curso da primeira metade do século XX, o historicismo tem o mérito de desvendar a intervenção do historiador na triagem e na organização dos fatos; agindo em nome de uma concepção implícita do mundo, o historiador limita-se a refletir a história do seu tempo.
Pensamento dominante no curso da primeira metade do século XX, o historicismo impôs-se na Alemanha, estendeu-se à Itália com Benedetto Groce, à Espanha com Ortega y Gasset. Em compensação, a historiografia francesa, cortada da Alemanha desde 1914, e muito desconfiada em relação à filosofia, optou pro uma crítica do positivismo que afirma a cientificidade da história, reabilitando a hipótese como meio de investigação (M. Bloch, L. Febvre)[..] No fim das contas, a lucidez do historicismo não marca o triunfo de um pensamento histórico, mas ela a encerra progressivamente num relativismo total; reduzido à impotência, à busca de uma realidade sempre tendenciosa, o historiador renuncia a ciência para entregar-se à intuição (cf. Rickert) ou à arte pela arte. Paradoxalmente os historiadores influenciados pelo historicismo iriam assim ampliar a tradição narrativa e factual da história, desenvolvida pelos positivistas, já que a cientificidade é inacessível. Só Max Weber escapa a essa tentação, substituindo a busca da objetividade histórica pelo estudo dos seus limites.
Burguière, André (org.) Dicionário das Ciências Históricas, Rio de Janeiro: Imago Ed. 1993.

Positivismo: princípio da causalidade sobre a vontade; primado da explicação com base em causalidade - método histórico: estabelecer tais causalidades. “As ciências apresentam uma unidade metodológica, que se aplica a qualquer matéria”.

Positivismo (por O. Demoulin)

A história positivista praticamente não se alimenta das relações com a doutrina de Auguste Comte, embora sua denominação reflita a importância que seus defensores conferiam ao termo ciência positiva. Pois a ambição científica é o primeiro traço distintivo de uma escola histórica que reina sobre as primeiras gerações de historiadores de ofício no fim do século XIX e no início do século XX.
A partir de uma concepção de ciências experimentais já obsoleta por volta de 1870, a história positivista considera científico um método indutivo fundado no empirismo absoluto. No caso da história, o fato histórico substitui as experiências. Como os fatos falam por si próprios, basta sua reconstituição; infelizmente, para o historiador positivista, a observação direta dos fatos é impossível, o que se opõe à “reconstituição do que realmente se passou” (Ranke).
No entanto, a objetividade científica permanece possível, já que o historiador possui técnicas para reencontrar os traços dos fatos. Com a ajuda dos métodos de crítica textual elaborados pela erudição, o historiador critica os documentos cujo testemunho permite a redescoberta dos fatos históricos.
A crítica positivista repousa primeiro na utilização das ciências auxiliares (sigilografia, aleografia, diplomática), que estabelecem a autenticidade dos textos e os datam. Depois a crítica interna apóia-se na interpretação do documento e, por fim, mede a distância entre o que a testemunha e os fatos já conhecidos, o que determina o seu grau de veracidade. Tornado quimicamente puro, o documento “verídico” permite ao historiador positivista reencontrar imediatamente o fato histórico, verdadeiro átomo da história.
Para chegar a seus fins, o positivismo recorre a técnicas de crítica dos textos elaboradas sucessivamente por Laurent Valla, pelos mauristas e pela erudição alemã. Mas essa concepção da história pela Revue historique ou L’introduction aux études Historiques de Ch. Victor Loaglois e Ch. Signobos termina por privilegiar excessivamente os documentos escritos que, só eles, se prestam perfeitamente as suas técnicas. Por outro lado, o primado do fato singular cria o culto do factual e da ordem dos fatos que a isso melhor se presta, a política. Por fim, essa história se organizou logicamente sob a forma de relato, seqüência de fatos cuidadosamente ponderados e que se encadeavam uns com os outros.
A estreiteza de vista do positivismo, a tendência à fragmentação em objeto cada vez mais restrito, a ingenuidade epistemológica dessa escola a expõem a ataques sucessivos do historicismo, da sociologia de Durkheim e da Escola dos Annales no curso do século XX. Esses defeitos aparecem ainda mais no momento em que os positivistas não mantêm nem mesmo seu contrato e em que se demonstra facilmente a sujeição deles aos valores dos Estados-nações  do mundo insdustrial.
No entanto, a exigência científica formulada pelo positivismo não é totalmente estéril; em primeiro lugar, ela deixa uma soma importante de trabalhos de valor; por outro lado, ela demonstra uma convicção estimulante de que escrever a história não se resume a uma simples operação ideológica ou à edificação dos mitos de nosso tempo.
Burguière, André (org.) Dicionário das Ciências Históricas, Rio de Janeiro: Imago Ed. 1993.

Historicismo positivista: “A convergência desses dois paradigmas no pensamento historiográfico durante o final do século, em virtude da ressonância do cientificismo em todos os campos da cultura da época, resultou na formação de uma corrente híbrida”

Destaque para o Historicismo:
“O historicismo foi definido por Nadel da seguinte maneira: “O seu fundamento é o reconhecimento de que os acontecimentos históricos devem ser estudados, não como anteriormente se fazia, como ilustrações da moral e da política, mas como fenômenos históricos. Na prática, manifestou-se pelo aparecimento da História como disciplina universitária independente, no nome e na realidade. Na teoria , expressou-se através de duas proposições:
1) o que acontece deve ser explicado em função do momento em que acontece;
2) para o explicar existe uma ciência específica, usando processos lógicos, a ciência histórica.
Nenhuma destas duas proposições era nova, mas era-o a insistência que nelas era posta, que levou a exagerar, em termos doutrinais, as duas proposições: da primeira tirou-se a idéia de que fazer história de algo é dar uma explicação suficiente e os que viam uma ordem lógica na ordem cronológica dos acontecimentos consideraram a ciência histórica capaz de predizer o futuro”p.206.
O historicismo deve ser integrado no conjunto das correntes filosóficas do século XIX atribuindo-lhe fontes distintas e talvez opostas: uma é a revolta romântica contra as Luzes sendo a outra, sob certos aspectos, a continuação da tradição das Luzes.
·       A primeira tendência apareceu no final do século XVIII, mais marcadamente na Alemanha, e considera o desenvolvimento histórico com base no modelo de crescimento dos seres vivos (epônimos: Humboldt e Ranke, críticos: Dilthey e Weber)
·       a segunda esforça-se por estabelecer uma ciência da sociedade baseada em leis do desenvolvimento social e teve como mestres Saint-Simon e Comte.
·       O historicismo marcou todas as escolas de pensamento do século XIX

Definição

Historicismo: Uma palavra que em diferentes momentos foi aplicada a duas diametralmente opostas abordagens da história:
v                  Originalmente, na segunda metade do XIX, significava uma abordagem que enfatizava a singularidade de todos os fenômenos históricos e sustentavam que cada época deveria ser interpretada nos termos das suas próprias idéias e princípios, ou ainda, que as ações dos homens do passado não poderiam ser explicadas tomando-se como referencias crenças, motivações e valores, da temporalidade do próprio historiador. Particularmente popular na Alemanha, , tal abordagem enfatizava a função da Verstehen (espírito da época), rejeitando as ciências sociais.
v                  Mais recentemente o termos historicismo foi aplicado por Karl Popper, no sentido de se descobrir leis gerais do desenvolvimento histórico, com base nos sistemas históricos especulativos, de natureza tanto linear quanto cíclica.
Imprecisão do termo envolve a elaboração de  três sentidos básicos:
1.    Historiografia tradicional: “Na passagem para o nosso século, passou a ser associado à concepção filosófica acionada pela chamada historiografia tradicional, baseada na postura contemplativa do passado, no cultivo do particular pelo particular, no registro aparentemente neutro dos fatos e a conseqüente aceitação do relativismo dos valores.”(p.21)
2.    Visão de mundo: “retomado por um grupo de filósofos e historiadores, Troelstch e Meinecke[...]. O historicismo assume, neste caso, a condição de interpretação do homem e do mundo, assentada nas idéias de historicidade individualizadora dos fenômenos humanos e da correspondente relatividade do conhecimento do homem e do mundo, ambas determinadas pelo passado e orientadas para o futuro”(p.21)
3.    Corrente de pensamento vinculada a Escola Histórica Alemã: “Fundamentação das ciências históricas calcada nas seguintes teses:
a) Os fenômenos sócio-culturais distinguem-se qualitativamente dos fenômenos naturais, na medida em que constituem fenômenos espirituais dotados de significado humano.
b) Os fenômenos sócio-culturais só podem ser estudados na sua historicidade, através da compreensão, mediada pelas fontes, do seu significado vivido ou montado pelos contemporâneos.
c) O historiador, não menos que seus fenômenos de análise, encontra-se no fluxo da história que determina suas perspectivas e conceitos de estudo.

Origens filosóficas do historicismo: G.B.Vico(sec. XVII/XVIII), O homem é autor da sua própria história. Pensamento marginal no período, dominado pelo pensamento naturalista. Retomadona segunda metade do XIX, por vários pensadores, dentre os quais, o historiador alemão Johann G. Droysen (1858).
Tese-chave do historicismo: distinção entre ciências naturais e ciências históricas
Princípio do método historicista: método histórico diferente do método científico e filosófico.
Método histórico » visa a compreensão (versthen): conhecer com base nas fontes e conhecer visando a compreensão do homem. Conhecer o homem compreendendo suas ações através de seus vestígios.
Método científico » visa a explicação (erklaren)
Método filosófico » visa o saber (erknnen)
Atividade-chave do historicismo: compreensão
As fontes: não são uma jazida de fatos brutos [...] as fontes históricas são manifestações do espírito, de modo que é impossível reconstruir os fatos como eles efetivamente foram. (p.23)
Natureza do conhecimento histórico e a atividade do historiador: “A atividade do historiador define-se, portanto, em termos de retomada e recriação do sentido moral, investido nas ações e obras passadas pelas gerações posteriores. Há uma continuidade entre o sujeito e objeto no mundo moral; a sua continuidade constitui a história, que representa assim a autoconsciência da humanidade. O conhecimento histórico funda-se num círculo de compreensão, a história é a categoria mediadora universal entre o historiador e o seu tema de estudo”.
Etapas do método histórico historicista:
A pesquisa histórica parte de uma pré- compreensão até atingir a compreensão que, por sua vez, se compõe de três procedimentos básicos: metódica; a sistemática e a tópica da historiografia.
v                  Metódica: conjunto de regras que comandam a pesquisa histórica, compreende a heurística, a crítica e a hermenêutica;
a) Heurística: consiste na pergunta histórica e nas regras de descoberta dos documentos necessários para respondê-la.
b) A crítica: visa o exame do material localizado com vistas à determinação de sua adequação ou não aos objetivos de pesquisa, em termos de autenticidade de fontes, correção dos juízos que contém a sua ordenação cronológica.
c) Hermenêutica: consiste não apenas na correta compreensão do significado dos documentos examinados, mas também a sua adoção por parte do intérprete de pontos de vista capazes de orientar essa compreensão.
A reconstituição do processo histórico resulta da aplicação de determinadas formas de interpretação ou perspectivas de investigação que regulam a compreensão, em termos pragmáticos, contextuais e classificadores, das forças morais apresentadas nas fontes.
* Visão pragmática: reconstituir a seqüência dos acontecimentos, com base nas fontes.
* Visão contextual: condições de elaboração do material de investigação.
* Visão classificatória: força moral ou movimento das idéias contido nas fontes.
v                  Sistemática: compreende os conceitos que definem a matéria do conhecimento histórico, servindo basicamente para o historiador contextualizar a interpretação das fontes [...]. Os conceitos sevem para determinar os contextos de ação moral do próprio homem, e orientar a compreensão das ações durante o curso da pesquisa.
v                  Tópica da historiografia: consiste no conjunto das várias formas de exposição dos resultados da pesquisa histórica. Forma investigativa (apresenta o resultado da investigação com todos os passos dados para sua conclusão); forma narrativa (expõe a matéria em termos genéticos); forma didática (relacionar as partes com o todo apresentando nas conexões com o presente, as lições da história); forma polêmica (apresenta a matéria em função do problema que pretende ser a resposta).
v                  O problema da subjetividade do conhecimento histórico. O historiador no seu tempo: o trabalho do historiador deriva primeiramente das concepções que este tem do seu tempo. Em síntese a história está baseada na compreensão que vincula o historiador à sua matéria de estudo, forma um mundo próprio de cunho moral. Certamente, o conhecimento histórico é fruto da aplicação de um método, a práxis vital imediata do indivíduo não é a história, mas simplesmente moral. Ela adquire este caráter na medida em que é concebida em sua continuidade e colocada à nossa consideração do ponto de vista da história. Apenas nesta perspectiva seu fazer é um momento do fluxo dos poderes morais. Entretanto, este aspecto metodológico da história não lhe retira o caráter de ciência condicionada em sua estrutura pela especificidade de seu objeto: o mundo histórico.

Unidade II. História da História: Os diversos regimes de historicidade Antiquarismo e iluminismo: por uma história racional (séculos XVI-XVII-XVIII).

II. História da História: Os diversos regimes de historicidade
Antiquarismo e iluminismo: por uma história racional (séculos XVI-XVII-XVIII).

A concepção dominante de história, do Renascimento às Luzes, foi a concepção de história exemplar, didática e o próprio método usado baseia-se em lugares comuns tirados dos estóicos, reitores e historiadores romanos. A história volta a ser um ensinamento para os governantes, como o tempo de Políbio. Esta concepção de história magistra vitae inspirou estudos parciais, tratados de história e vários outros gêneros de escrita histórica(as chamadas artes historicae), preocupadas em consolidar os métodos de tratamento documental. Bem ao gosto do movimento antiquarista.
O movimento antiquarista caracteriza a consolidação de uma história erudita que, em grande medida, comporia as regras básicas para a elaboração de uma escola metódica, no século XIX, precursora de uma história científica que se imporia como norma metodológica para o campo da história. A história erudita se caracteriza por quatro aspectos fundamentais:
a.  culto das peças originais, cartas, decretos reais, bulas pontifícias, assim como o dos selos e brasões, ligados uns e outros à obsessão  e de esclarecer a origem dos poderes e das intituições.
b. publicação de instrumentos de trabalhos adaptados, para a plena interpretação dos documentos acima referidos
c.  definição da operação histórica como sendo um trabalho sobre textos, inspirando-se nos trabalhos de gramática e de exegese
d. objetivo máximo da história erudita: edificar uma cronologia exata pelo confronto sistemático dos testemunhos.
A história dos filósofos das Luzes que se esforçaram por a tornar racional, abertas às noções de civilização e progresso, não substituiu a concepção de história exemplar e a história ficou de fora da grande revolução científica dos séculos XVII e XVIII. A oposição entre o historiador-antiquário e o historiador filósofo continuaria até o século XIX, com a vitória do erudito sobre o filósofo, através do predomínio do historicismo como corrente predominante no pensamento histórico ocidental.
Em termos de tendências gerais, o pensamento histórico dos séculos XVI ao XVIII é assinalado pela idéia duma história nova, global, a história perfeita, e por progressos importantes de método e de crítica histórica. Sinteticamente é possível delimitar três idéias que permearam os escritos históricos desta época:
1° A história não é pura narração ou obra literária. Deve procurar as causas.
2° O objeto da história é constituído pelas civilizações  e a civilização. A história começa antes da escrita. É também a história dos tempos em que os homens eram “rurais e não civilizados”
3° A história deve ser universal no sentido mais completo do termo.

Filosofias da História
A época das Luzes foi, particularmente, profícua ao surgimento de filosofias da história. Nascem então as idéias do devir da matéria, da evolução das espécies e do progresso dos seres humanos. Pensadores como Voltaire, Kant ou Condorcet acreditam num movimento ascendente da humanidade em direção a um Estado ideal. No século XIX, sob o impacto da Revolução Francesa e de outras revoluções na Europa, floresceram filosofias da história. Quer sejam religiosas ou atéias, otimistas ou pessimistas, têm todas em comum descobrir um sentido para a história. As doutrinas de Hegel e de Comte representam modelos do gênero: organizam os períodos, apreciam as mudanças ou as permanências, interpretam a evolução geral do mundo com o auxílio de um princípio único - a marcha do Espírito ( no caso de Hegel) ou a lei dos três estados (Comte). De uma certa maneira, Marx, que fez do materialismo histórico uma teoria científica ligada a uma prática revolucionária, não sai inteiramente do âmbito da filosofia da história na medida em que, para ele, a evolução da humanidade permanece orientada para um fim.

Bibliografia utilizada:
Bourdé, Guy & Martin, Hervé, As escolas históricas, Lisboa, Europa-américa, 1983, capítulos III e IV.
Le goff, Jacques. História. Enciclopédia Einaudi, Vol. I Memória-História, Lisboa, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1985.

Unidade II. História da História: Os diversos regimes de historicidade/ Saber e poder no mundo medieval

II. História da História: Os diversos regimes de historicidade
Saber e poder no mundo medieval

A história cristã
Avaliação historiográfica sobre a Idade Média: Contraditória.
v                  Perspectiva histórica marcada pela ruptura com o pensamento cíclico da Antiguidade: história teleológica – história como marcha da humanidade.
v                  Outros autores defendem a perspectiva oposta: impossibilidade da mentalidade medieval em pensar a história como um devir e no domínio persistente das representações cíclicas milenaristas.
Pontos importantes a destacar: extrema variedade de gêneros históricos praticados desde a Alta Idade Média e o nascimento de uma “consciência ativa da história” ( a partir do século XII) que todavia não liberta sua subordinação à teologia; existência de  uma consciência comum do tempo que impões sua marca à atividade dos historiógrafos.
  1. Nascimento da história cristã na alta Idade Média.
1° gênero: produção hagiográfica, quer se trate de vida dos santos, de relatos de milagres ou de translações de relíquias, ou finalmente listas episcopais. A partir de então, os altos feitos de Deus e dos seus servos ocupam o primeiro lugar na cena histórica – período carolíngio.
Estrutura da narrativa adotada: Um modelo familiar, o do pai que alimenta, encarregado de zelar pelo patrimônio, estrutura o relato em profundidade. Estabelece-se assim o primado do arquétipo sobre o facto de observação, que vai marcar por muito tempo a historiografia medieval.
2° gênero: Anais e as crônicas. Os primeiros relatam secamente os fatos ano a ano e dão um bom lugar aos acontecimentos políticos e militares, contudo esses anais são na maioria das vezes escritos em mosteiros e trazem a marca da preocupação de seus autores. Quanto à crônica é à partida um gênero com pretensões muito amplas- descrever e explicar a partir da fé os acontecimentos . Exemplo de cronista: Gregório de Tours.
3° gênero: biografias ou autobiografias, também inspiradas em obras antigas, contudo a adaptando o relato ao modelo cultural carolíngio, ou seja de um humanismo devoto impregnado de tradição latina.
Perspectivas de mudança no regime historiográfico a partir do século VI, neste o passado se torna um repositório de elementos para fundamentar a narrativa religiosa.

  1. Pode-se julgar, contudo que os autores da alta idade Média ( alargada até o século XII) dão provas de uma ausência geral de sentimento histórico? E, se sim, quais podem ser as razões? São contingentes ou estruturais?
Afirma a partir de algumas considerações feitas por outros autores que a mentalidade medieval era a-histórica: “Mas a razão profunda pela qual a mentalidade medieval pôde ser  considerada como “a-histórica” poderia igualmente residir no facto de que a história neste período não é realmente apropriada pelo homem. Não passa de aplicação dos desígnios divinos sobre a humanidade. Assim, o gênero  hagiográfico exerce todo o seu peso sobre o gênero histórico, com risco de se confundir  com ele.
Identidade entre hagiografia e historiografia no período medieval: Os dois gêneros se preocupam com autenticidade e veracidade dos fatos, sempre rodeados de todas as garantias de lugar e de data. Perseguem o mesmo objetivo: evitar que os  fatos notáveis caiam no esquecimento.
Diferenças estruturais entre hagiografia e historiografia:
Hagiografia: não recolhe necessariamente os fatos verdadeiros, mas “constitui” a verdade de fenômenos maravilhosos rodeando-os de todas as garantias desejáveis. Não se pauta numa cronologia, mas num conjunto de fatos ou provas para validar uma instituição ou legitimar um culto. O tempo circular da liturgia exerce sua atração sobre a hagiografia
Historiografia: A crônica, em contrapartida, registra fatos verdadeiros, a par de outros mal estabelecidos. Em termos de visão de tempo, por mais providencialista que fossem os historiadores, definem a história como um relato verdadeiro, baseado na cronologia. O sentido de duração marca a história.
A identificação mais clara será entre história e teologia, posto que esta última, propõe uma visão unificadora e orientada da história.

  1. A teologia ao serviço da história (muito particularmente no século XII).
Século XII a teologia marca a perspectiva  da história como a representação do povo cristão em marcha para a sua beatitude.
Características da escrita da história até o século XII: Sto. Agostinho história e sentido, gradual  substituição da perspectiva cíclica  dos pensadores gerco-romanos. No entanto, a perspectiva de tempo ainda não está no domínio dos homens: “Até o século XII, pode falar-se de uma ampla indiferença pelo tempo, que é concebido e vivido essencialmente como tempo natural ( ciclo das estações e dos meses) e como tempo litúrgico (organizado também em cadências fixas).
Os acontecimentos históricos interessam mais pela sua importância simbólica do que  pelos seus antecedentes e seqüências. Contudo, um sentido novo do tempo vai despertar no século XII, por conta das transformações históricas associadas ao desenvolvimento geral das trocas e o florescimento de uma cultura urbana. Nesse novo contexto, o homem  assume um papel ativo diante da natureza, transformando-a  através do seu trabalho.

Nasce também uma nova visão de história baseada nas seguintes características:
v      Providencialismo
v      Noção confusa de progresso em história pautada no domínio das instituições religiosas e valores morais.
v      Seqüencialidade dos acontecimentos que criam uma narrativa de natureza teleológica.
v      Elaboração conceitual do tempo: para estabelecer uma periodização para a aventura humana

  1. Visão da história e sentido comum do tempo.
Estabelece um conjunto de três fontes para avaliar uma perspectiva comum de tempo: relato de peregrinação; inquéritos judiciários; iconografia – domínio do passado mal assegurado, utilização dos advérbios, outrora e há muito tempo; confluência do eterno presente do tempo religioso e dos acontecimentos contemporâneos do fim da idade Média


Os cronistas dos séculos XIV e XV

1.       Froissart, arauto da sociedade cavalheiresca declinante.
Valoriza o comprometimento deste com a visão aristocrática e a total parcialidade do seu relato; caracteriza o método do cronista  com base na busca da verdade e da autenticidade dos relatos, associados ao testemunho – valorização dos relatos orais
2.       Os cronista na dependência dos príncipes (século XV)
A dependência dos historiógrafos em relação aos príncipes é grande, criando uma expectativa em relação ao trabalho do cronista pautada em dois princípios: exaltar os feitos do príncipe e manter a coesão dos estados.
Limites da narrativa memorialista para a visão de história do final da Idade Média: estreiteza do campo de visão (limitada aos fatos militares e à vida na corte numa soberba ignorância sobre o povo); uso do estilo nobre expresso por uma escrita empolada; obrigação de tomar a defesa do príncipe ou mecenas.
3.       Uma percepção diferenciada das realidades políticas e militares.
Vida efusiva das cortes
Relato contrastante das guerras.
4.       A história, veículo privilegiado do sentimento nacional.
Ainda calcada na gesta dos reis sem dimensionar o papel do povo.
5.       Avaliação geral da história na Idade Média, segundo Bernard Gueneé:
v                  Tinham uma visão clara de história como um relato simples e verdadeiro
v                  Só fixam os fatos (gesta) realizados por atores eminentes.
v                  A história não é uma disciplina autônoma é uma ciência auxiliar da moral e da teologia. Somente ao final da Idade Média adquiria uma certa autonomia.
Variedade dos tipo de historiadores:
v                  Monges guardiões dos manuscritos e dos livros dos mosteiros
v                  Historiador das cortes e das praças
v                  Histriador de gabinete: figura típica do final da baixa idade média, associado aos primeiros trabalhos de erudição.
Tratamento das fontes pela idade Média:
v                  Valorização do relato oral e o seu registro
v                  Organização de bibliotecas
v                  Divulgação do conhecimento pela imprensa.


Unidade II. História da História: Os diversos regimes de historicidade / História Clássica e o fundamento do mito.

II. História da História: Os diversos regimes de historicidade
História Clássica e o fundamento do mito.

Finley, Moses. Mito, memória e história. Usos e Abusos da História, São Paulo: Martins Fontes, 1985, pp. 3-27.

Introdução: Poesia, mito e memória os usos e funções do passado na Grécia clássica
Parte de uma afirmativa: Os gregos foram os pais da história. No entanto, os próprios gregos não valorizavam a história como um conhecimento sério, digno de ser creditado como algo valioso para a humanidade devido ao seu caráter particular – citação de Aristóteles na p. 3.
Aristóteles pouco se preocupou com a história em seus escritos. A história não teria uma função séria pois, como explicou Alcebíades não estabelece verdades.
Claro que se a história como disciplina não era valorizada, o mesmo não se pode dizer sobre o passado, como fonte de paradigmas. Era na poesia que o passado se fazia presente.
Todos os filósofos rejeitavam a história, simplesmente não falando sobre ela – um silêncio eloqüente.
O pouco de história que se escrevia ficava por conta da retórica dos seus textos: o exemplo dado é de 165 dC – Como escrever história de Luciano, uma mistura de regras e máximas que se tornaram lugares-comuns na instrução retórica, é um trabalho inferior, superficial e essencialmente sem valor (p.4-5).
A principal polaridade no trato com o passado se fazia entre a história e a poesia.
A Poesia é de fundamental importância para conceber a forma como os gregos constituíram sua consciência histórica.
Tanto a poesia épica, quanto a lírica como a tragédia tinham como fundamento narrativo as grandes figuras e os grandes acontecimentos do passado. Essa poesia não objetivava uma verdade factual, tratava-se, isso sim, da questão mais profunda da universalidade, da verdade sobre a vida em geral. A questão, em resumo, era distinguir mito de história ( mito aí compreendido como lenda) p.5.
A atmosfera do mito impregnava o tempo no qual os pais da história começaram a trabalhar.
O mito era uma forma narrativa que tinha como função primordial dar inteligibilidade ao passado (p.5-6). Todo um conjunto de rituais, festejos e festivais estavam associados à função de atualização da memória mítica.
A importância dos mitos para os gregos: era o grande mestre dos gregos  em todas as questões do espírito. Com ele aprendiam moralidade e conduta; as virtudes da nobreza (p.6)
A história e a poesia eram duas formas de narração do passado. Sendo que ambas tinham o passado como algo concreto, no entanto, para poesia, imemorial.
A poesia épica se pautava em fatos concretos, sendo reconhecida como uma narração do passado, inclusive por aqueles que pretendiam escrever a história, como é o caso de Tucídides. (p.7)

O tempo do mito: a diferença fundamental entre história e poesia como ordem narrativa, ou regime de historicidade, foi a concepção de tempo.
A poesia épica não era história pois era atemporal, desligada da cronologia, no estilo era um vez.
O tempo é sentido como medida de distancia, como escala de percepção do tempo vivido. Não há datação. (p.7/8)
No mito o tempo não passa, não implica em mudança, os personagens da poesia.
 épica não envelhecem.
O grande erro está em aplicar o pensamento histórico moderno ao mito (p.8)
O exemplo de Hesíodo é fundamental para se entender a lógica temporal do mito – as quatro idades, sem o sentido de evolução, mas de momentos de existências independentes, de narrativas fundadoras de tempos, que se relacionam numa lógica distinta da concepção histórica moderna pautada no tempo evolutivo e linear. A obra de Hesíodo, no entanto, já se distingue do mito, por propor um fundamento filosófico para a narrativa temporalizada, prenunciando a passagem do mythos para o logos. Foi a transição da atemporadlidade do mito para a atemporalidade da metafísica (p.9/10).
O mito tinha uma função concreta: dar resposta à problemas vividos.  Não era uma máxima moral como a narrativa evangélica, mas um sentido de fundação de uma identidade helênica.

Mentalidade histórica grega:
“O pensamento grego, na verdade, dividia o passado em duas partes[...]: a era heróica e a era pós-heróica (ou tempo dos deuses e tempo dos homens).
A primeira parte (determinada, definida e descrita pelos criadores de mitos, que trabalharam nos séculos que para nós são estritamente pré-históricos. Eles criavam e transmitiam mitos oralmente, reunindo material puramente religioso (sobre cujas origens pode-se especular, mas não estão documentadas), eventos históricos genuínos (inclusive detalhes pessoais sobre famílias nobres) e muito material puramente imaginário. Eles estavam voltados para o passado; a princípio, presumivelmente, para o passado mais recente; com o passar do tempo porém, foram-se atendo progressivamente a épocas mais remotas – em grande parte de modo deliberado. Todavia, o interesse não era histórico no sentido de uma investigação objetiva dos fatos da Guerra de Tróia (ou de qualquer outro período da história[...] A consciência e o orgulho pan-helênicos ou regionais, o governo aristocrático e especialmente seu direito de governar, suas notáveis qualificações e virtudes, uma compreensão dos Deuses, o sentido das práticas religiosas –estes e outros propósitos semelhantes eram atendidos pela contínua repetição dos relatos antigos e pela constante reconstrução destes, pois sempre havia ocorrência de novas condições.
Essa primeira fase, portanto, quando a tradição oral foi criada e mantida viva, teve por resultado um passado mítico baseado em elementos díspares que diferiam em caráter e precisão (factual), e cuja origem (factual), remontavam a períodos de tempo bastante esparsos. A “tradição” não transmitia meramente o passado, ela o criava (destaca o papel dos bardos)[...].  Sobreveio  em seguida uma nova fase, simbolizada por ocasionais relatos épicos e outros documentos mitológicos. Num mundo desprovido de qualquer autoridade central, política ou eclesiástica, repleto de interesses políticos e regionais separados, muitas vezes conflitantes, essa etapa ajudou a determinar os textos e relatos, criando uma versão autorizada[...]. O processo de criação mítica não terminou no século VIII; ele nunca parou totalmente. Além da mitificação de homens como Sólon, a criação de mitos prosseguiu porque a religião grega continuou a criar novos ritos, introduzir novos deuses, e combinar elementos antigos em novas formas, cada etapa exigindo um ajustamento apropriado da mitologia herdada (p.18/19)”
N a segunda fase, denominada de pós-heróica o mapa mítico manteve a sua repetição e atualização através da tradição oral, passada por rapsodos, recitadores, atores e não criadores. As atenções voltaram-se para outras atividades intelectuais, a poesia lírica, a filosofia, necessitando da tradição somente de uma escuta passiva de em ocasiões delimitadas fosse atualizada e rememorada.
O passado é o domínio da tradição e esta se vincula ao funcionamento e sedimentação da sociedade através do controle da memória. A memória coletiva é induzida e motivada.
Na Grécia pós-heróica a atribuição de manter viva a tradição, associou-se ao controle da memória coletiva por um certo grupo, ligado às famílias de mais poder e origem aristocrática – visava o aumento do prestígio e a garantia do poder e justificação de instituição. Passaram a ser os donos da memória pública.
Resultados:
v                  Publicização das memórias privadas
v                  Impossibilidade de estabelecer uma cronologia específica
v                  Invenção de tradições associadas àquelas transmitidas pela tradição oral.

2ª fase:
Heródoto e Tucídides; uma ruptura?

Heródoto e Tucídides.
Heródoto – não tentou datar os tempos imemoriais, misturava em sua narrativa a dimensão histórica e mítica, mas o mito não entrava como referência cronológica mas como fatos isolados. Efetivamente Heródoto conseguiu organizar uma cronologia para o século VII ªC em diante. Tudo o que começou antes continuava ainda na ordem do mito (p.10/11)

Tucídides: obra mais sociológica elabora uma teoria para o povo grego. Descobre pouco sobre o passado por falta de fontes (p.11)


Questão: porque Heródoto e Tucídides utiliizaram a palavra história no sentido de investigação. A resposta é dada pelo mesmo Herótodo na introdução de suas Histórias: para preservara fama dos grandes e maravilhosos feitos dos gregos e bárbaros e para investigar as razões por que eles guerrearam entre si (p.23)

Novidade introduzida: busca dos porquês e a dimensão contemporânea  e secularizada da história. (p.24)
A noção de verdade diferencia a narrativa de Tucídides da dos poetas
Conclui ratificando o papel do mito da construção da identidade grega.

Natureza da escrita da história grega:
O trabalho de datação de todos aqueles que se dedicaram a organizar uma cronologia para a história grega foi insuficiente, devido a ausência de fontes.
Não havia possibilidade para os gregos do período clássico uma história para o período arcaico – a época micênica. Não tinham condições documentais, para avaliar a ruptura. Aliás é importante ressaltar, que todos os autores considerados historiadores na Grécia clássica, não tentaram efetivamente realizar uma história, no sentido moderno do termo em relação a seu passado remoto, por não considerarem necessário – a poesia épica na forma do mito dava conta perfeitamente disso. Tinham inclusive condições técnicas, mas não tinham interesse (p. 15/16)

Unidade II. História da História: os diversos regimes de historicidade.

Unidade II. História da História: os diversos regimes de historicidade.

2.1 A mentalidade Histórica: a relação que o homem estabelece com o seu passado
“Quanto tentamos responder a pergunta: o que é a história? Nossa resposta, consciente ou inconscientemente, reflete nossa própria posição no tempo e faz parte de nossa resposta, uma pergunta mais ampla: qual a visão da sociedade que vivemos?” (Carr, O que é História?)
Ou ainda Le Goff, quando coloca: “a relação que a psicologia coletiva mantêm com o seu passado”
Neste sentido, a história da história deve levar em consideração tanto o contexto social da produção histórica (livros, textos, imagens, etc), quanto aspectos da memória coletiva. Daí ser relevante a afirmação de Le Goff: “A história não deve se preocupar apenas com a produção histórica profissional mas com todo um conjunto de fenômenos que constituem a cultura histórica, ou melhor, a mentalidade histórica de uma época”.
Desta forma, é plenamente possível estabelecer uma distinção nas formas de conceber e registrar a história ao longo do tempo que é balizada pelas transformações sociais e de mentalidade das diferentes épocas históricas.

2.2 Referências temporais para uma história da história.

a) Narrativa mítica e a construção da representação histórica: o registro da vida política dos anais, o papel do mito nas sociedades antigas: Egito, Mesopotâmia, China e Índia.
·       Mito como referência explicativa da realidade circundante: explicações mágicas e religiosas para eventos reais
·       Transmitidos pela tradição oral
·       Concepção circular do tempo, sem cronologia ou datação: o princípio das coisas, primórdios, tempos imemoriais - tempo sagrado e não datado.
·       Mito tomado como modelo, exemplo e precedente.
·       Outro tipo de registro: nas sociedades orientais (Índia e China), os Anais remontam ao século XVIII a.C. , e compõem um estilo de registro muito preciso, consagrado a sucessão de fatos relativos às dinastias imperiais.

b) Narrativa histórica de base factual: A antiguidade clássica, Grécia e Roma.
·       Sécs. V-IV (585 a.C), Heródoto qualificado por Cícero, como o “pai da História”. Foi o primeiro a utilizar a palavra história, com sentido de investigação e perenização da ação humana.
·       Tipo de Narrativa: trecho redigido por Heródoto na introdução do seu livro: “Histórias”: “Eis a exposição do inquérito empreendido por Heródoto de Halicarnasso para impedir que as ações realizadas pelos homens se apaguem com o tempo”
·       Temas: Guerras persas; outro grego, Tucídides, um general, relataria os eventos da guerra do Peloponeso, da qual participou. Daí Finley chamar atenção de que para a concepção de tempo/passado para os gregos só era possível história contemporânea. Preocupavam-se com os relatos dos costumes, os interesses econômicos, a relação com outros povos, etc.
·       Persistência da narrativa mítica como forma de elaboração do passado
·       Roma: Políbio (II a.C.), preocupação com a verdade dos fatos, mas terminou por narrar as conquistas do Império Romano

c) Poder e saber: O conhecimento histórico no período medieval - o processo de cristianização; o advento e disseminação da Escolástica e a prioridade da História eclesiástica.
·       A implantação e expansão do cristianismo no mundo antigo impuseram uma nova forma de conceber o tempo, tendo em vista, o caráter datado e escatológico da religião cristã.
·       Escolástica: o advento do pensamento escolástico se faz através da elaboração de um método de leitura e interpretação de autores clássicos (principalmente Aristóteles). Tal método pressupõe a existência de dogmas a partir dos quais toda e qualquer interpretação deve se processar. Estes dogmas eram estabelecidos e divulgados, com base nos escólios, pela Igreja devido ao controle dos textos e documentos antigos nas abadias e nos mosteiros. Daí a produção intelectual limitar-se aos mosteiros.
·       Temas e método: priorização das hagiografias (vida dos santos), gesta dos reis, além da temática limitada a historiografia medieval carecia de um método crítico ficando restrita ao estilo da crônica e dos anais.

d) História e Erudição: o retorno aos clássicos, o movimento antiquarista e o advento do método crítico no século XVII - DE RE DIPLOMÁTICA (D. Mabillon - 1681).
·       O movimento humanista e renascentista transfere do céu para a terra as preocupações humanas.
·       A filosofia escolástica se vê invadida por um retorno aos clássicos pensadores greco-romanos, no original.
·       Em decorrência de tal interesse desenvolve-se um trabalho de erudição para avaliar a veracidade e autenticidade dos textos antigos. Revitaliza-se o estudo das línguas, através da filologia e amplia-se a noção de documento aos objetos: moedas e inscrições.
·       O movimento antiquarista promove a descoberta e a manutenção de antigos documentos e peças. Catalogar, inventariar, compor coleções são trabalhos eruditos. A erudição preocupava-se mais com a guarda dos materiais históricos, do que com sua interpretação.
·       Publicação do primeiro tratado de erudição: século XVII - DE RE DIPLOMÁTICA (D. Mabillon - 1681).
·       Período em que se desenvolvem ciências que auxiliam o trabalho de crítica interna e externa: numismática, epigrafia, cronologia, heráldica, etc. Período em que se desenvolvem ciências que auxiliam o trabalho de crítica interna e externa

e) História e Filosofia: O conhecimento histórico na época das Luzes, a relação entre história e filosofia; a construção de uma concepção de história com bases em princípios universalizantes (Voltaire) e a história nacional.
·       Os filósofos assumem a história como preocupação: o iluminismo traz para o centro da reflexão histórica a idéia de progresso. Expansão da burguesia para o mundo extra-europeu.
·       História nacional pautada em princípios românticos e ideais, tais como: espírito do povo, caráter nacional, civilização ocidental, progresso racional, etc.
·       História ideológica: A história filosófica é abertamente partidária e sofre influência das condições sociais e políticas do país que o historiador se insere.
·       No final do século XVIII a corrente liberal buscou explicar racionalmente a sociedade burguesa, utilizando-se conceitos como progresso e liberdade como valores inerentes ao processo histórico, a princípio contra a hegemonia do Rei e da Igreja, e no final do século XIX, contra o advento dos movimentos sociais populares.

f) História e ciência: a história e os cânones do conhecimento científico, o método positivista da escola metódica, a questão da objetividade da narrativa histórica.
·       O século XIX, principalmente depois de 1870, assiste o triunfo da história cientificista, fortemente influenciada pela concepção naturalista de evolução humana, esquematicamente transferida para o desenvolvimento das sociedades.
·       A escola metódica (também conhecida como positivista), reabilita o método critico do sec. XVII na aplicação da doutrina positivista que buscava uma narrativa imparcial dos fatos, a moda da escola historicista alemã, cuja máxima era relatar os fatos “tal como aconteceram”. Acreditando na possibilidade de  neutralidade do narrador e tomando a história política + narrativa dos grandes feitos + nas datas importantes + por grandes homens= paradigma de história humana.
·       Institucionalização da história como disciplina universitária, com regras e técnicas.
·       Fora da academia a militância intelectual e política, coloca a história no centro da pauta para explicar o processo de transformações das sociedades: materialismo histórico e materialismo dialético - Marx e Engels.
·       História como o estudo das relações sociais, no tempo, com vocação para a totalidade.
·       Historicismo: marca da concepção histórica presente tanto numa perspectiva positivista de história quanto no materialismo histórico. O historicismo conclama a relativização da análise dos fatos humanos, buscando compreendê-los na sua especificidade histórica. Só que o positivismo o apreende de uma forma parcial e mecanicista e o materialismo histórico de uma forma crítica, problematizadora e dinâmica.

Glossário.
Verbete: escolástica
[Fem. substantivado do adj. escolástico.]
S. f. Hist. Filos.
1. Doutrinas teológico-filosóficas dominantes na Idade Média, dos séc. IX ao XVII, caracterizadas sobretudo pelo problema da relação entre a fé e a razão, problema que se resolve pela dependência do pensamento filosófico, representado pela filosofia greco-romana, da teologia cristã. Desenvolveram-se na escolástica inúmeros sistemas que se definem, do ponto de vista estritamente filosófico, pela posição adotada quanto ao problema dos universais [q. v.], e dos quais se destacam os sistemas de Santo Anselmo [V. anselmiano.], de São Tomás [V. tomismo.] e de Guilherme de Occam [V. occamismo.]
[Sin. ger.: escolasticismo.]
Verbete: escólio
[Do gr. skólion.]
S. m.
1. Comentário destinado a tornar inteligível um autor clássico; esclarecimento.
2. Explicação ou interpretação de um texto.
[Cf. escolio, do v. escoliar.]


Texto para discussão François Hartog e Jacques Le goff