terça-feira, 22 de março de 2011

Unidade II. História da História: Os diversos regimes de historicidade / História como disciplina acadêmica no século XIX

II. História da História: Os diversos regimes de historicidade

História como disciplina acadêmica no século XIX

A Escola Histórica Francesa, cria da no século XIX, foi  responsável pela profissionalização do historiador e pela determinação de uma prática historiadora. Conhecida como Escola Metódica, por justamente estabelecer as bases do método histórico, foi muitas vezes chamada de positivista, fato rejeitado por alguns autores que encaram tal denominação como um erro.
A Escola Metódica ao fundar um novo campo para a prática historiadora, associado ao espaço acadêmico, estabelece as regras e os princípios básicos da escrita da história oitocentista – conhecido como o método histórico. Este método incorporaria os princípios básicos da prática erudita, associando-os aos pressupostos teóricos do historicismo e à concepção objetivista reinante nas disciplinas acadêmicas de antanho.
Tal tendência conquistaria a hegemonia em distintas regiões do mundo, sendo representada no Brasil, pelo IHGB.

Introdução:
Longevidade da Escola Metódica: aparece, manifesta-se e prolonga-se durante o período da Terceira República na França.
O projeto de História da Escola Metódica: Os seus princípios fundamentais estão expostos em dois textos-programas: o manifesto, escrito por G. Monod, para lançar a Revista Histórica em 1876; e o guia, redigido em intenção dos estudantes por Langlois e Seignobos em 1898. A escola metódica quer impor uma investigação científica afastando qualquer especulação filosófica e visando objetividade absoluta no domínio da história; pensa atingir os seus fins aplicando técnicas rigorosas respeitante ao inventário de fontes, à crítica dos documentos, à organização das tarefas na profissão. Os historiadores “positivistas” participam na reforma do ensino superior e ocupam cátedras em novas universidades; dirigem grandes coleções, formulam programas e elaboram as obras de história destinadas aos alunos dos colégios secundários e das escolas primárias.
Características ideológicas da escola: “os manuais escolares, muito explicitamente, veneram o regime republicano, alimentam a propaganda nacionalista e aprovam a conquista colonial[...]
Escola metódica - funda uma disciplina científica e segrega um discurso ideológico que permanece vigendo até a década de 1960 na formação geral dos estudantes franceses.(Bourdé e Martin, p.97)

“A Revista Histórica”
Fundação - 1876, limitada ao âmbito universitário
Revista Histórica: ponto final de uma tradição humanista, prolongamento dos eruditos e herdeiros dos românticos, além de devedores da influência da escola histórica alemã, principalmente no reconhecimento de sua importância na elaboração de instrumentos de pesquisa, crítica de fontes e publicação de documentos.
Projeto histórico da escola metódica: história disciplina científica, cuja cientificidade é garantida por elementos formais, tais como a presença de fontes e citações, e vinculada ao ensino superior: “em grandes traços, os princípios definidos por G. Monod - a saber, o trabalho sobre arquivos, a referência às fontes, a organização da profissão - encontram-se expostos, 23 anos mais tarde, no manual de Langlois e Seignobos”(p.100).
Além da preocupação com temas religiosos expressavam uma preocupação ética através da avaliação da relação estabelecida entre os homens do passado e do presente, pautada numa idéia de continuidade e solidariedade entre passado e presente.

O discurso do método:
Langlois e Seignobos: Introdução aos estudos históricos, para formar gerações de historiadores, exercendo forte influencia na produção francesa de 1880-1930 (p.102).
Contributo: contribuíram para a constituição de uma história científica e pela rejeição dos princípio metafísicos na explicação histórica.
Significado de História para Langlois e Seignobos: “A história não passa da aplicação de documentos”, máxima tirada da teoria do reflexo, tirada de Ranke.
Epistemologia deixada de lado: a relação sujeito e objeto não é explicitada, sequer refletida, bem como a visão de documento, elaborada por eles, é de extrema limitação - só valorizam os testemunho diretos e escritos . A ciência histórica está limitada pela existência limitada de documentos.
Proposta fundamental: o inventário de materiais disponíveis através da elaboração e publicação de coleções de documentos e instrumentos de pesquisa. Enumera algumas iniciativas de preservação realizadas no XIX.
Etapas do método: crítica externa, exemplo da utilização do sistema de fichas e a sua validade;
Crítica interna: “a hermenêutica impõe freqüentemente o recurso a um estudo lingüístico, a fim de determinar o valor das palavras ou das frases[...], por outro lado, a hermenêutica obriga a interrogar-se sobre as intenções das pessoas que produziram os documentos”(p.104).
Etapa final - depois das etapas analíticas, as operações sintéticas que se dividem em três fases:
a) comparar os vários documentos para estabelecer um fato particular
b) reagrupar os atos isolados em quadros gerais
c) manejar o raciocínio, quer por dedução, quer por analogia, para ligar os fatos entre si e para encher as lacunas da documentação
d) seleção de fatos relevantes na massa de acontecimentos disponíveis ao historiador a partir dos documentos.
e) tentativa de algumas generalizações, algumas interpretações, sem manter a ilusão de “penetrar no mistério da origem das sociedades”. Tudo se passa como se, ao nível da síntese, a escola metódica tivesse medo de terminar.

A objetividade em História.
Rejeita o título de positivista para a escola metódica e apresenta um autor, L.Bourdeau, como sendo um historiador positivista cujas preocupações estavam relacionadas à idéia de totalidade e universalidade e às leis da história. Tinha um projeto de filosofia para a história, enquanto a escola rejeita a perspectiva filosófica, reconhecendo em tal postura a atriz metafísica.
Matriz conceitual da escola metódica: Ranke. Os historiadores da geração de Monod e Lavisse foram estudar além-Reno, para conhecer a estratégia de organização dos antagonistas. Aplica os princípios científicos da escola alemã à historiografia francesa.
Postulados teóricos de Ranke:
1ª regra: incumbe ao historiador não julgar o passado nem instruir os seus contemporâneos mas simplesmente dar conta do que realmente se passou;
2ª regra: não há nenhuma interdependência entre o sujeito conhecedor - o historiador - e o objeto do conhecimento - o fato histórico. Por hipótese o historiador escapa a qualquer condicionamento social, o que lhe permite ser imparcial na percepção dos acontecimentos;
3ª regra: a história - o conjunto da res gestae - existe em si objetivamente; tem mesmo uma dada forma uma estrutura definida, que é diretamente acessível ao conhecimento;
4ª regra: a relação cognitiva é conforme a um modelo mecanicista. O historiador registra o fato histórico de maneira passiva, como o espelho reflete a imagem de um objeto;
5ª regra: a tarefa do historiador consiste em reunir um número suficiente de dados, assente em documentos seguros, a partir destes fatos, e por si só, o registro histórico organiza-se e deixa-se interpretar. Qualquer reflexão teórica é inútil ou até mesmo prejudicial pois introduz elementos de especulação. Segundo Von Ranke, a ciência positiva pode atingir a objetividade e conhecer a verdade da história”(p.114)
Entre o projeto e sua execução existia uma nítida contradição, tanto pelo aspecto ideológico de suas práticas acadêmicas quanto pelo envolvimento direto do grupo na política da terceira república.

Os ataques à escola metódica partiram de três frentes:
A. Annales. Chamada pelos historiadores dos Annales de história historizante, a escola metódica era criticada em quatro pontos, a saber:
a) A história historizante só dá  atenção aos documentos escritos, aos testemunhos voluntários (decretos, cartas, relatórios, etc.), ao passo que os documentos não escritos,  ou os testemunhos involuntários (vestígios arqueológicos, séries estatísticas, etc.); informam igualmente sobre as atividades humanas.
b)A história historizante acentua o acontecimento, o fato singular, verificado num tempo curto, ao passo que é mais interessante apreender a vida das sociedades, a qual se desvenda por fatos vulgares, repetidos que se desenrolam num tempo longo;
c)A história historizante privilegia os fatos políticos, militares e diplomáticos e rejeita, erradamente, os fatos econômicos, sociais e culturais;
d)A história historizante receia empenhar-se num debate, arrisca raramente uma interpretação, renuncia previamente a qualquer síntese.
Limite da crítica dos Annales: não coloca a questão da objetividade em história; não nota a discordância, a incompatibilidade entre o voto de neutralidade científica e o preconceito político dos historiadores da escola metódica.
B. Presentismo e relativismo: atacam a questão da objetividade, destacando o total comprometimento do historiador com o presente e da total subjetividade da análise histórica. Do ponto de vista de um relativismo radical, a ciência histórica é impossível.
C. Materialismo histórico: realiza uma crítica tanto ao positivismo da escola metódica quanto ao subjetivismo radical do presentismo. do ponto de vista do materialismo histórico o conhecimento é produzido por um sujeito social, comprometido com sua classe e com o seu tempo. No entanto, tal conhecimento não é uma atividade abstrata, mas concreta, sustentada numa praxis resultado da atividade humana. A compreensão do processo histórico se dá de forma científica e objetiva levando em consideração todas as determinações sociais.

Bourdé, G. & Martin, H., As Escolas Históricas, Lisboa, Europa-América, 1983.
Cap. VI: “A Escola Metódica”, (97-118).

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