terça-feira, 22 de março de 2011

Unidade II. História da História: Os diversos regimes de historicidade/ Sobre o século XIX e sua filosofia

II. História da História: Os diversos regimes de historicidade

Sobre o século XIX e sua filosofia: [...]O Cristianismo tinha dado um sentido à História, mas tinha-a submetido à teologia. No século XVIII e sobretudo no XIX, queriam assegura o triunfo da História dando-lhe um sentido secularizado pela idéia de progresso, unindo as funções de saber e sabedoria, através das concepções e práticas científicas que identificavam com a realidade, e não só com a verdade (historicismo) e com a praxis (marxismo)”

As matrizes fundamentais. Introdução: a historiografia como episteme.
Historiografia do século XIX: Liberal e Romântica
Liberal: presença dos historiadores burgueses, tais como Guizot, Tierry e Tocqueville. Análise dos feitos da burguesia e da exaltação dos valores democráticos de liberdade e legalidade.
Romântica: Exaltação da idéia de nação e a história como substrato da formação da nacionalidade. A história passa a ser objeto de ensino.
Até o final do XIX, a história era tratada como um misto de ciência e arte, mas  com a propagação do pensamento científico no território dos estudos históricos, colocou-se a necessidade de elaborar um organon de sua prática. a atividade dos historiadores estava criando um saber cuja existência ostensiva se impunha à reflexão”
Dois historiadores tomaram a dianteira deste processo: J.B. Buchez (1865) - positivista -  na França e G. Droysen (1884) - historicista - na Alemanha.
Pressupostos teóricos dos dois paradigmas:

Historicismo: princípio da vontade sobre a causalidade; primado da compreensão do significado das ações humanas; estabelecimento do método histórico. “O mundo histórico constitui uma realidade própria que condiciona e distingue as ciências históricas como ciências humanas”

 

Historicismo (por O. Demoulin)

Entre o 1870 e 1920, vários pensadores alemães, Dilthey, Rickert, Simmel, minaram os fundamentos do cientificismo na história. Diante do positivismo que identificava objetividade e história científica, sua “filosofia crítica da história”, o historicismo, demonstra que todo o conhecimento objetivo do passado só se realiza através da experiência subjetiva daquele que o estuda. Além dos matizes teóricos, o historicismo tem o mérito de desvendar a intervenção do historiador na triagem e na organização dos fatos; agindo em nome de uma concepção implícita do mundo, o historiador limita-se a refletir a história do seu tempo. Pensamento dominante no curso da primeira metade do século XX, o historicismo tem o mérito de desvendar a intervenção do historiador na triagem e na organização dos fatos; agindo em nome de uma concepção implícita do mundo, o historiador limita-se a refletir a história do seu tempo.
Pensamento dominante no curso da primeira metade do século XX, o historicismo impôs-se na Alemanha, estendeu-se à Itália com Benedetto Groce, à Espanha com Ortega y Gasset. Em compensação, a historiografia francesa, cortada da Alemanha desde 1914, e muito desconfiada em relação à filosofia, optou pro uma crítica do positivismo que afirma a cientificidade da história, reabilitando a hipótese como meio de investigação (M. Bloch, L. Febvre)[..] No fim das contas, a lucidez do historicismo não marca o triunfo de um pensamento histórico, mas ela a encerra progressivamente num relativismo total; reduzido à impotência, à busca de uma realidade sempre tendenciosa, o historiador renuncia a ciência para entregar-se à intuição (cf. Rickert) ou à arte pela arte. Paradoxalmente os historiadores influenciados pelo historicismo iriam assim ampliar a tradição narrativa e factual da história, desenvolvida pelos positivistas, já que a cientificidade é inacessível. Só Max Weber escapa a essa tentação, substituindo a busca da objetividade histórica pelo estudo dos seus limites.
Burguière, André (org.) Dicionário das Ciências Históricas, Rio de Janeiro: Imago Ed. 1993.

Positivismo: princípio da causalidade sobre a vontade; primado da explicação com base em causalidade - método histórico: estabelecer tais causalidades. “As ciências apresentam uma unidade metodológica, que se aplica a qualquer matéria”.

Positivismo (por O. Demoulin)

A história positivista praticamente não se alimenta das relações com a doutrina de Auguste Comte, embora sua denominação reflita a importância que seus defensores conferiam ao termo ciência positiva. Pois a ambição científica é o primeiro traço distintivo de uma escola histórica que reina sobre as primeiras gerações de historiadores de ofício no fim do século XIX e no início do século XX.
A partir de uma concepção de ciências experimentais já obsoleta por volta de 1870, a história positivista considera científico um método indutivo fundado no empirismo absoluto. No caso da história, o fato histórico substitui as experiências. Como os fatos falam por si próprios, basta sua reconstituição; infelizmente, para o historiador positivista, a observação direta dos fatos é impossível, o que se opõe à “reconstituição do que realmente se passou” (Ranke).
No entanto, a objetividade científica permanece possível, já que o historiador possui técnicas para reencontrar os traços dos fatos. Com a ajuda dos métodos de crítica textual elaborados pela erudição, o historiador critica os documentos cujo testemunho permite a redescoberta dos fatos históricos.
A crítica positivista repousa primeiro na utilização das ciências auxiliares (sigilografia, aleografia, diplomática), que estabelecem a autenticidade dos textos e os datam. Depois a crítica interna apóia-se na interpretação do documento e, por fim, mede a distância entre o que a testemunha e os fatos já conhecidos, o que determina o seu grau de veracidade. Tornado quimicamente puro, o documento “verídico” permite ao historiador positivista reencontrar imediatamente o fato histórico, verdadeiro átomo da história.
Para chegar a seus fins, o positivismo recorre a técnicas de crítica dos textos elaboradas sucessivamente por Laurent Valla, pelos mauristas e pela erudição alemã. Mas essa concepção da história pela Revue historique ou L’introduction aux études Historiques de Ch. Victor Loaglois e Ch. Signobos termina por privilegiar excessivamente os documentos escritos que, só eles, se prestam perfeitamente as suas técnicas. Por outro lado, o primado do fato singular cria o culto do factual e da ordem dos fatos que a isso melhor se presta, a política. Por fim, essa história se organizou logicamente sob a forma de relato, seqüência de fatos cuidadosamente ponderados e que se encadeavam uns com os outros.
A estreiteza de vista do positivismo, a tendência à fragmentação em objeto cada vez mais restrito, a ingenuidade epistemológica dessa escola a expõem a ataques sucessivos do historicismo, da sociologia de Durkheim e da Escola dos Annales no curso do século XX. Esses defeitos aparecem ainda mais no momento em que os positivistas não mantêm nem mesmo seu contrato e em que se demonstra facilmente a sujeição deles aos valores dos Estados-nações  do mundo insdustrial.
No entanto, a exigência científica formulada pelo positivismo não é totalmente estéril; em primeiro lugar, ela deixa uma soma importante de trabalhos de valor; por outro lado, ela demonstra uma convicção estimulante de que escrever a história não se resume a uma simples operação ideológica ou à edificação dos mitos de nosso tempo.
Burguière, André (org.) Dicionário das Ciências Históricas, Rio de Janeiro: Imago Ed. 1993.

Historicismo positivista: “A convergência desses dois paradigmas no pensamento historiográfico durante o final do século, em virtude da ressonância do cientificismo em todos os campos da cultura da época, resultou na formação de uma corrente híbrida”

Destaque para o Historicismo:
“O historicismo foi definido por Nadel da seguinte maneira: “O seu fundamento é o reconhecimento de que os acontecimentos históricos devem ser estudados, não como anteriormente se fazia, como ilustrações da moral e da política, mas como fenômenos históricos. Na prática, manifestou-se pelo aparecimento da História como disciplina universitária independente, no nome e na realidade. Na teoria , expressou-se através de duas proposições:
1) o que acontece deve ser explicado em função do momento em que acontece;
2) para o explicar existe uma ciência específica, usando processos lógicos, a ciência histórica.
Nenhuma destas duas proposições era nova, mas era-o a insistência que nelas era posta, que levou a exagerar, em termos doutrinais, as duas proposições: da primeira tirou-se a idéia de que fazer história de algo é dar uma explicação suficiente e os que viam uma ordem lógica na ordem cronológica dos acontecimentos consideraram a ciência histórica capaz de predizer o futuro”p.206.
O historicismo deve ser integrado no conjunto das correntes filosóficas do século XIX atribuindo-lhe fontes distintas e talvez opostas: uma é a revolta romântica contra as Luzes sendo a outra, sob certos aspectos, a continuação da tradição das Luzes.
·       A primeira tendência apareceu no final do século XVIII, mais marcadamente na Alemanha, e considera o desenvolvimento histórico com base no modelo de crescimento dos seres vivos (epônimos: Humboldt e Ranke, críticos: Dilthey e Weber)
·       a segunda esforça-se por estabelecer uma ciência da sociedade baseada em leis do desenvolvimento social e teve como mestres Saint-Simon e Comte.
·       O historicismo marcou todas as escolas de pensamento do século XIX

Definição

Historicismo: Uma palavra que em diferentes momentos foi aplicada a duas diametralmente opostas abordagens da história:
v                  Originalmente, na segunda metade do XIX, significava uma abordagem que enfatizava a singularidade de todos os fenômenos históricos e sustentavam que cada época deveria ser interpretada nos termos das suas próprias idéias e princípios, ou ainda, que as ações dos homens do passado não poderiam ser explicadas tomando-se como referencias crenças, motivações e valores, da temporalidade do próprio historiador. Particularmente popular na Alemanha, , tal abordagem enfatizava a função da Verstehen (espírito da época), rejeitando as ciências sociais.
v                  Mais recentemente o termos historicismo foi aplicado por Karl Popper, no sentido de se descobrir leis gerais do desenvolvimento histórico, com base nos sistemas históricos especulativos, de natureza tanto linear quanto cíclica.
Imprecisão do termo envolve a elaboração de  três sentidos básicos:
1.    Historiografia tradicional: “Na passagem para o nosso século, passou a ser associado à concepção filosófica acionada pela chamada historiografia tradicional, baseada na postura contemplativa do passado, no cultivo do particular pelo particular, no registro aparentemente neutro dos fatos e a conseqüente aceitação do relativismo dos valores.”(p.21)
2.    Visão de mundo: “retomado por um grupo de filósofos e historiadores, Troelstch e Meinecke[...]. O historicismo assume, neste caso, a condição de interpretação do homem e do mundo, assentada nas idéias de historicidade individualizadora dos fenômenos humanos e da correspondente relatividade do conhecimento do homem e do mundo, ambas determinadas pelo passado e orientadas para o futuro”(p.21)
3.    Corrente de pensamento vinculada a Escola Histórica Alemã: “Fundamentação das ciências históricas calcada nas seguintes teses:
a) Os fenômenos sócio-culturais distinguem-se qualitativamente dos fenômenos naturais, na medida em que constituem fenômenos espirituais dotados de significado humano.
b) Os fenômenos sócio-culturais só podem ser estudados na sua historicidade, através da compreensão, mediada pelas fontes, do seu significado vivido ou montado pelos contemporâneos.
c) O historiador, não menos que seus fenômenos de análise, encontra-se no fluxo da história que determina suas perspectivas e conceitos de estudo.

Origens filosóficas do historicismo: G.B.Vico(sec. XVII/XVIII), O homem é autor da sua própria história. Pensamento marginal no período, dominado pelo pensamento naturalista. Retomadona segunda metade do XIX, por vários pensadores, dentre os quais, o historiador alemão Johann G. Droysen (1858).
Tese-chave do historicismo: distinção entre ciências naturais e ciências históricas
Princípio do método historicista: método histórico diferente do método científico e filosófico.
Método histórico » visa a compreensão (versthen): conhecer com base nas fontes e conhecer visando a compreensão do homem. Conhecer o homem compreendendo suas ações através de seus vestígios.
Método científico » visa a explicação (erklaren)
Método filosófico » visa o saber (erknnen)
Atividade-chave do historicismo: compreensão
As fontes: não são uma jazida de fatos brutos [...] as fontes históricas são manifestações do espírito, de modo que é impossível reconstruir os fatos como eles efetivamente foram. (p.23)
Natureza do conhecimento histórico e a atividade do historiador: “A atividade do historiador define-se, portanto, em termos de retomada e recriação do sentido moral, investido nas ações e obras passadas pelas gerações posteriores. Há uma continuidade entre o sujeito e objeto no mundo moral; a sua continuidade constitui a história, que representa assim a autoconsciência da humanidade. O conhecimento histórico funda-se num círculo de compreensão, a história é a categoria mediadora universal entre o historiador e o seu tema de estudo”.
Etapas do método histórico historicista:
A pesquisa histórica parte de uma pré- compreensão até atingir a compreensão que, por sua vez, se compõe de três procedimentos básicos: metódica; a sistemática e a tópica da historiografia.
v                  Metódica: conjunto de regras que comandam a pesquisa histórica, compreende a heurística, a crítica e a hermenêutica;
a) Heurística: consiste na pergunta histórica e nas regras de descoberta dos documentos necessários para respondê-la.
b) A crítica: visa o exame do material localizado com vistas à determinação de sua adequação ou não aos objetivos de pesquisa, em termos de autenticidade de fontes, correção dos juízos que contém a sua ordenação cronológica.
c) Hermenêutica: consiste não apenas na correta compreensão do significado dos documentos examinados, mas também a sua adoção por parte do intérprete de pontos de vista capazes de orientar essa compreensão.
A reconstituição do processo histórico resulta da aplicação de determinadas formas de interpretação ou perspectivas de investigação que regulam a compreensão, em termos pragmáticos, contextuais e classificadores, das forças morais apresentadas nas fontes.
* Visão pragmática: reconstituir a seqüência dos acontecimentos, com base nas fontes.
* Visão contextual: condições de elaboração do material de investigação.
* Visão classificatória: força moral ou movimento das idéias contido nas fontes.
v                  Sistemática: compreende os conceitos que definem a matéria do conhecimento histórico, servindo basicamente para o historiador contextualizar a interpretação das fontes [...]. Os conceitos sevem para determinar os contextos de ação moral do próprio homem, e orientar a compreensão das ações durante o curso da pesquisa.
v                  Tópica da historiografia: consiste no conjunto das várias formas de exposição dos resultados da pesquisa histórica. Forma investigativa (apresenta o resultado da investigação com todos os passos dados para sua conclusão); forma narrativa (expõe a matéria em termos genéticos); forma didática (relacionar as partes com o todo apresentando nas conexões com o presente, as lições da história); forma polêmica (apresenta a matéria em função do problema que pretende ser a resposta).
v                  O problema da subjetividade do conhecimento histórico. O historiador no seu tempo: o trabalho do historiador deriva primeiramente das concepções que este tem do seu tempo. Em síntese a história está baseada na compreensão que vincula o historiador à sua matéria de estudo, forma um mundo próprio de cunho moral. Certamente, o conhecimento histórico é fruto da aplicação de um método, a práxis vital imediata do indivíduo não é a história, mas simplesmente moral. Ela adquire este caráter na medida em que é concebida em sua continuidade e colocada à nossa consideração do ponto de vista da história. Apenas nesta perspectiva seu fazer é um momento do fluxo dos poderes morais. Entretanto, este aspecto metodológico da história não lhe retira o caráter de ciência condicionada em sua estrutura pela especificidade de seu objeto: o mundo histórico.

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