terça-feira, 22 de março de 2011

Unidade II. História da História: Os diversos regimes de historicidade / História Clássica e o fundamento do mito.

II. História da História: Os diversos regimes de historicidade
História Clássica e o fundamento do mito.

Finley, Moses. Mito, memória e história. Usos e Abusos da História, São Paulo: Martins Fontes, 1985, pp. 3-27.

Introdução: Poesia, mito e memória os usos e funções do passado na Grécia clássica
Parte de uma afirmativa: Os gregos foram os pais da história. No entanto, os próprios gregos não valorizavam a história como um conhecimento sério, digno de ser creditado como algo valioso para a humanidade devido ao seu caráter particular – citação de Aristóteles na p. 3.
Aristóteles pouco se preocupou com a história em seus escritos. A história não teria uma função séria pois, como explicou Alcebíades não estabelece verdades.
Claro que se a história como disciplina não era valorizada, o mesmo não se pode dizer sobre o passado, como fonte de paradigmas. Era na poesia que o passado se fazia presente.
Todos os filósofos rejeitavam a história, simplesmente não falando sobre ela – um silêncio eloqüente.
O pouco de história que se escrevia ficava por conta da retórica dos seus textos: o exemplo dado é de 165 dC – Como escrever história de Luciano, uma mistura de regras e máximas que se tornaram lugares-comuns na instrução retórica, é um trabalho inferior, superficial e essencialmente sem valor (p.4-5).
A principal polaridade no trato com o passado se fazia entre a história e a poesia.
A Poesia é de fundamental importância para conceber a forma como os gregos constituíram sua consciência histórica.
Tanto a poesia épica, quanto a lírica como a tragédia tinham como fundamento narrativo as grandes figuras e os grandes acontecimentos do passado. Essa poesia não objetivava uma verdade factual, tratava-se, isso sim, da questão mais profunda da universalidade, da verdade sobre a vida em geral. A questão, em resumo, era distinguir mito de história ( mito aí compreendido como lenda) p.5.
A atmosfera do mito impregnava o tempo no qual os pais da história começaram a trabalhar.
O mito era uma forma narrativa que tinha como função primordial dar inteligibilidade ao passado (p.5-6). Todo um conjunto de rituais, festejos e festivais estavam associados à função de atualização da memória mítica.
A importância dos mitos para os gregos: era o grande mestre dos gregos  em todas as questões do espírito. Com ele aprendiam moralidade e conduta; as virtudes da nobreza (p.6)
A história e a poesia eram duas formas de narração do passado. Sendo que ambas tinham o passado como algo concreto, no entanto, para poesia, imemorial.
A poesia épica se pautava em fatos concretos, sendo reconhecida como uma narração do passado, inclusive por aqueles que pretendiam escrever a história, como é o caso de Tucídides. (p.7)

O tempo do mito: a diferença fundamental entre história e poesia como ordem narrativa, ou regime de historicidade, foi a concepção de tempo.
A poesia épica não era história pois era atemporal, desligada da cronologia, no estilo era um vez.
O tempo é sentido como medida de distancia, como escala de percepção do tempo vivido. Não há datação. (p.7/8)
No mito o tempo não passa, não implica em mudança, os personagens da poesia.
 épica não envelhecem.
O grande erro está em aplicar o pensamento histórico moderno ao mito (p.8)
O exemplo de Hesíodo é fundamental para se entender a lógica temporal do mito – as quatro idades, sem o sentido de evolução, mas de momentos de existências independentes, de narrativas fundadoras de tempos, que se relacionam numa lógica distinta da concepção histórica moderna pautada no tempo evolutivo e linear. A obra de Hesíodo, no entanto, já se distingue do mito, por propor um fundamento filosófico para a narrativa temporalizada, prenunciando a passagem do mythos para o logos. Foi a transição da atemporadlidade do mito para a atemporalidade da metafísica (p.9/10).
O mito tinha uma função concreta: dar resposta à problemas vividos.  Não era uma máxima moral como a narrativa evangélica, mas um sentido de fundação de uma identidade helênica.

Mentalidade histórica grega:
“O pensamento grego, na verdade, dividia o passado em duas partes[...]: a era heróica e a era pós-heróica (ou tempo dos deuses e tempo dos homens).
A primeira parte (determinada, definida e descrita pelos criadores de mitos, que trabalharam nos séculos que para nós são estritamente pré-históricos. Eles criavam e transmitiam mitos oralmente, reunindo material puramente religioso (sobre cujas origens pode-se especular, mas não estão documentadas), eventos históricos genuínos (inclusive detalhes pessoais sobre famílias nobres) e muito material puramente imaginário. Eles estavam voltados para o passado; a princípio, presumivelmente, para o passado mais recente; com o passar do tempo porém, foram-se atendo progressivamente a épocas mais remotas – em grande parte de modo deliberado. Todavia, o interesse não era histórico no sentido de uma investigação objetiva dos fatos da Guerra de Tróia (ou de qualquer outro período da história[...] A consciência e o orgulho pan-helênicos ou regionais, o governo aristocrático e especialmente seu direito de governar, suas notáveis qualificações e virtudes, uma compreensão dos Deuses, o sentido das práticas religiosas –estes e outros propósitos semelhantes eram atendidos pela contínua repetição dos relatos antigos e pela constante reconstrução destes, pois sempre havia ocorrência de novas condições.
Essa primeira fase, portanto, quando a tradição oral foi criada e mantida viva, teve por resultado um passado mítico baseado em elementos díspares que diferiam em caráter e precisão (factual), e cuja origem (factual), remontavam a períodos de tempo bastante esparsos. A “tradição” não transmitia meramente o passado, ela o criava (destaca o papel dos bardos)[...].  Sobreveio  em seguida uma nova fase, simbolizada por ocasionais relatos épicos e outros documentos mitológicos. Num mundo desprovido de qualquer autoridade central, política ou eclesiástica, repleto de interesses políticos e regionais separados, muitas vezes conflitantes, essa etapa ajudou a determinar os textos e relatos, criando uma versão autorizada[...]. O processo de criação mítica não terminou no século VIII; ele nunca parou totalmente. Além da mitificação de homens como Sólon, a criação de mitos prosseguiu porque a religião grega continuou a criar novos ritos, introduzir novos deuses, e combinar elementos antigos em novas formas, cada etapa exigindo um ajustamento apropriado da mitologia herdada (p.18/19)”
N a segunda fase, denominada de pós-heróica o mapa mítico manteve a sua repetição e atualização através da tradição oral, passada por rapsodos, recitadores, atores e não criadores. As atenções voltaram-se para outras atividades intelectuais, a poesia lírica, a filosofia, necessitando da tradição somente de uma escuta passiva de em ocasiões delimitadas fosse atualizada e rememorada.
O passado é o domínio da tradição e esta se vincula ao funcionamento e sedimentação da sociedade através do controle da memória. A memória coletiva é induzida e motivada.
Na Grécia pós-heróica a atribuição de manter viva a tradição, associou-se ao controle da memória coletiva por um certo grupo, ligado às famílias de mais poder e origem aristocrática – visava o aumento do prestígio e a garantia do poder e justificação de instituição. Passaram a ser os donos da memória pública.
Resultados:
v                  Publicização das memórias privadas
v                  Impossibilidade de estabelecer uma cronologia específica
v                  Invenção de tradições associadas àquelas transmitidas pela tradição oral.

2ª fase:
Heródoto e Tucídides; uma ruptura?

Heródoto e Tucídides.
Heródoto – não tentou datar os tempos imemoriais, misturava em sua narrativa a dimensão histórica e mítica, mas o mito não entrava como referência cronológica mas como fatos isolados. Efetivamente Heródoto conseguiu organizar uma cronologia para o século VII ªC em diante. Tudo o que começou antes continuava ainda na ordem do mito (p.10/11)

Tucídides: obra mais sociológica elabora uma teoria para o povo grego. Descobre pouco sobre o passado por falta de fontes (p.11)


Questão: porque Heródoto e Tucídides utiliizaram a palavra história no sentido de investigação. A resposta é dada pelo mesmo Herótodo na introdução de suas Histórias: para preservara fama dos grandes e maravilhosos feitos dos gregos e bárbaros e para investigar as razões por que eles guerrearam entre si (p.23)

Novidade introduzida: busca dos porquês e a dimensão contemporânea  e secularizada da história. (p.24)
A noção de verdade diferencia a narrativa de Tucídides da dos poetas
Conclui ratificando o papel do mito da construção da identidade grega.

Natureza da escrita da história grega:
O trabalho de datação de todos aqueles que se dedicaram a organizar uma cronologia para a história grega foi insuficiente, devido a ausência de fontes.
Não havia possibilidade para os gregos do período clássico uma história para o período arcaico – a época micênica. Não tinham condições documentais, para avaliar a ruptura. Aliás é importante ressaltar, que todos os autores considerados historiadores na Grécia clássica, não tentaram efetivamente realizar uma história, no sentido moderno do termo em relação a seu passado remoto, por não considerarem necessário – a poesia épica na forma do mito dava conta perfeitamente disso. Tinham inclusive condições técnicas, mas não tinham interesse (p. 15/16)

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