terça-feira, 22 de março de 2011

Unidade III. Documento na História/ O método histórico em questão

O método histórico em questão.

1. Método histórico tradicional.
Seu desenvolvimento se deveu em primeiro lugar ao surgimento de disciplinas voltadas para a análise de documentos e medievais. A erudição francesa teve em Dom Mabillon seu nome mais conhecido, pioneiro na análise da autenticidade ou falsidade dos documentos da Idade Média (DE RE DIPLOMÁTICA, 1686). A sistematização da crítica documental foi sendo elaborada pouco a pouco, desde o Renascimento e, sobretudo a partir do século XVII. No século XIX, os pressupostos de um método de caráter eminentemente empírico serviram de base para a organização da disciplina histórica, em termos institucionais. Neste século, foram os historiadores alemães – em especial Leopold Von Ranke – e posteriormente os membros da Escola Metódica Francesa, os responsáveis pela formalização do método crítico aplicado aos documentos históricos.
No século XIX, Langlois e Seignobos afirmaram: “a história se faz com documentos. Porque nada substitui os documentos: onde não há documentos não há história”. Numa afirmação como esta há algo de verdadeiro e algo de falso. Verdadeiro, porque efetivamente a ausência de fontes impede que o historiador possa realizar plenamente a sua função: como comprovar sem elas as suas hipóteses de trabalho? Por outro lado, é falsa, pois condiciona todo o conhecimento histórico, e, por conseguinte, todo o trabalho do historiador a recopilação de fontes escritas, importantes para o conhecimento histórico, mas não exclusivamente. A parte fundamental do método tradicional voltava-se, portanto, para o tratamento das fontes escritas, baseado em dois procedimentos fundamentais: a heurística e o apoio nas chamadas disciplinas auxiliares.
v                  Heurística: atividade que consiste em localizar, reunir e classificar as fontes históricas, através da criação de listas, repertórios, inventários, índices remissivos, algumas vezes, publicando os de natureza manuscrita considerados de grande importância. Hoje em dia, em comparação com o século XIX, a heurística dispõe de vários meios adicionais de armazenar e fazer circular informações necessárias ao trabalho histórico, tais como: banco de dados, microfilmes, microfichas, fotocópias, etc.
v                  “Disciplinas auxiliares”: numismática, diplomática, filologia, sigilografia, paleografia, genealogia, cronologia, etc. Atualmente, tais disciplinas são consideradas com mais autonomia.

2. Princípios básicos do método histórico renovado.
A escola metódica do século XIX – e suas variantes por todas as partes do mundo – sofreu críticas de diversos setores da produção historiográfica – notadamente das correntes ligadas ao materialismo histórico e pela Escola dos Annales. Tais críticas baseavam-se na premissa de que as fontes não falam por si só, os historiadores devem fazer-lhes perguntas. Perguntas que não decorrem das próprias fontes, mas são decorrentes da cultura histórica do pesquisador, de sua base teórica, enfim, de um conjunto de conhecimentos exteriores ao documento com o qual se está trabalhando.
Neste sentido, uma primeira pergunta que o historiador deve propor é: que papel representa na prática do historiador o conhecimento baseado ou não em fontes? Para o historiador polonês, Jerzy Topolsky, quando elegemos o campo a ser estudado ou as hipóteses de trabalho, e mais tarde quando estabelecemos explicações causais e fazemos generalizações, nos apoiamos, sobretudo nos marcos teóricos, no conhecimento dos códigos pertinentes às mensagens que são as fontes históricas, no conhecimento de outros fatos e processos de comparação. Por outro lado, na etapa intermediária que consiste no estabelecimento de fatos e processos históricos que interessam especificamente a investigação que se está realizando, ainda que intervenham conhecimentos externos a elas, o papel das fontes é de fundamental importância. Sendo assim, toda a fase prévia estava destinada a preparar a etapa intermediária (operações analíticas realizadas mediante ao uso das fontes), aquela na qual surgem as condições que permitem introduzir conhecimentos novos resultantes da pesquisa concreta de que se trate, através do processamento do material investigado. As construções teóricas de todo o tipo carecem de valor se em nenhum momento não são submetidas à prova da história real.

Etapa intermediária - operações analíticas realizadas mediante ao uso das fontes:
Crítica externa dos documentos - dividida em três etapas:
a) erudição ou autenticidade: avaliar se o documento é verdadeiro ou falso, avaliar as alterações que sofreu ao longo do tempo e identificar o autor;
b) restituição ou veracidade: tentativa de restaurar ao documento ao seu estado original;
c) procedência ou localização: determinar a data, o local, a autoria e a origem. Todos estes procedimentos variam de acordo com a natureza da fonte – escrita, visual, oral.
Crítica interna ou veracidade dos testemunhos – dividida em duas etapas:
a) hermenêutica: interpretação, que consiste em apreender o conteúdo exato e o sentido de um texto, partindo de um conhecimento aprofundado da língua da época e das convenções culturais vigentes no período de sua composição (modas intelectuais, etiquetas, fórmulas de cortesia, estilos, etc). em linguagem moderna, hermenêutica consiste numa série de operações de transcodificação (passagem de um código para o outro);
b) crítica de sinceridade: consiste em avaliar se são creditáveis as informações contidas no texto, sendo complementada pela crítica de exatidão, que restabelece o grau de conhecimento direto efetivo que poderia ou não ter o autor, segundo sua posição em relação aos fatos que enuncia. A forma de proceder é a comparação sistemática de todos os testemunhos disponíveis para cada fato, dado ou processo.
Atualmente, existem outras perspectivas para a crítica interna, tendo em vista, o fato de que já é possível se afirmar que: não há testemunho transparente – mesmo verdadeiro é preciso aprofundar na análise das condições de produção do testemunho histórico. Tal pressuposto obrigou o desenvolvimento, por parte dos historiadores, de uma crítica aprofundada em dimensões jamais imaginada pelo historiador oitocentista. Hoje, os textos não são tratados apenas em seus conteúdos ou enunciados, mas mediante a métodos de análise de discurso, enunciação, com apoio de uma teoria social. Em outras palavras, procura-se determinar as condições sócio-históricas da produção dos testemunhos.

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