terça-feira, 22 de março de 2011

Unidade I – O que é História? ou história?

Introdução aos Estudos Históricos

Unidade 1 – O que é História? ou história?

A essa pergunta a resposta não é simples, aliás a própria pergunta já implicou num desdobramento – H ou h? Qual  a diferença que a grafia da palavra implica em termos semânticos?
Podemos perceber que a resposta a uma pergunta nos remete a condição histórica que, como sujeitos do conhecimento, nos é atribuída. Portanto, uma primeira resposta a pergunta inicial nos remete a distinção entre História, como uma disciplina que tem como objeto de reflexão as sociedades humanas organizadas no tempo (Marc Bloch) e história, o próprio objeto de estudo da disciplina História, ou seja, a experiência humana projetada no tempo social. Mas temos acesso a essa experiência passada? quão distante há de ter sido vivida essa experiência para ela ser considerada histórica?
Pelo visto, a cada resposta que tentamos dar nos enrolamos num emaranhado de conceitos cada vez mais complexos, como por exemplo de tempo, experiência, sociedade, etc. Sem falar o que implica o trabalho com esses conceitos.
Além dessa distinção inicial poderíamos ir mais adiante agregando outras palavras e/ou expressões,  dentre as quais: historiografia, historicidade, filosofias da história, metodo histórico, fato histórico, narrativas históricas, fontes históricas,  epistemologia da história, etc., que com certeza não servem somente para enriquecer o vocabulário, mas que em grande medida definem um campo de conhecimento e uma atividade de produzir conhecimento.
A disciplina Introdução aos Estudos Históricos trata disso, como o conhecimento histórico é produzido hoje, como ele foi produzido no passado e quando se começa a pensar historicamente, nas sociedades ocidentais.
Portanto vamos começar pelo sentido etimológico da palavra:
 “A palavra história (em todas as línguas românicas e em inglês) vem do grego antigo historie, em dialeto jônico. Esta forma deriva da raiz indo-européia wid, weid, ‘ver’. Daí o sânscrito vettas ‘testemunha’ e o grego histor ‘testemunha’ no sentido ‘daquele que vê’. Esta concepção da visão como fonte essencial do conhecimento leva-nos a idéia que histor ‘aquele que vê’ é também aquele que sabe; historien em grego antigo é ‘procurar saber’, ‘informar-se’. Historie significa pois ‘procurar’. É este o sentido da palavra em Heródoto, no início de suas Histórias, que são ‘investigações’, ‘ procuras’  Ver, logo, saber é o primeiro problema.
Man nas línguas românicas (e noutras) ‘história’ exprime dois, senão três, conceitos diferentes. Significa:
1. esta procura das ações realizadas pelos homens (Heródoto) que se esforça por se constituir em ciência, a ciência histórica; 2. O objeto de procura é o que os homens realizam. Como diz Paul Veyne, “a história é, quer uma série de acontecimentos, quer a narração desta série de acontecimentos”. Mas a história pode ser ainda um terceiro sentido, o de narração. Uma história é uma narração verdadeira, verdadeira ou falsa, com base na ‘realidade histórica’ ou puramente imaginária – pode ser uma narração histórica ou uma fábula. O inglês escapa a esta última confusão porque distingue entre history e story (história e conto). As outras línguas européias esforçam-se para evitar essa ambigüidade. O italiano tem tendência para designar se não a ciência histórica, pelo menos as produções desta ciência pela palavra ‘storiografia’, o alemão estabelece a diferença entre a atividade ‘científica’, Geschichtschreibung, e a ciência histórica propriamente dita Geschichteswissenchaft. [...]” (Le Goff, Jacques. Enciclopédia Einaudi, Vol. 1, Lisboa, Casa da Moeda, 1985, p.158)

Dessa primeira aproximação aos significados da palavra temos alguns desdobramentos importantes: a noção de ciência histórica, a noção de narração e   as produções dessa ciência ou ainda atividade narrativa – historiografia.
Outra ideia importante que essa primeira aproximação nos traz para o significado da palavra é a de que o própria noção de que se busca um conhecimento que só o passado pode oferecer é também histórica, ou seja, muda de sociedade para sociedade. Essa especificidade da palavra história confere a ela uma historicidade, ou seja, ela possui um significado específico no tempo e no espaço.
“O Conceito de historicidade permite no plano teórico refutar a noção de sociedade sem história, ele obriga a inserir a própria história numa perspectiva histórica. De acordo com Michel de Certeau “há uma historicidade da história que implica o movimento que liga uma prática interpretativa a uma prática social”. [...] Finalmente Paul Veyne tira uma dupla lição do fundamento do conceito de historicidade. A historicidade permite a inclusão no campo da ciência histórica de novos objetos da história: a história rural, das mentalidades, da loucura e da procura da segurança através das épocas. Chamaremos pois de non-événementiel (não-factual) à historicidade de que não temos consciência enquanto tal. Por outro lado, a historicidade exclui a idealização da história, a existência da História com H maiúsculo: “Tudo é histórico, logo a história não existe” [...]”( Idem, p.159)

A essa provocação do historiador francês Jacques Le Goff o autor da citação acima um outro historiador, mas dessa vez alemão, Jörn Rüsen poderia revidar:
“O pensamento histórico torna-se especificamente cinetífico quando segue os princípios da metodização, quando submete a regras todas as operações da consciência histórica, cujas pretensões de validade se baseiam nos argumentos das narrativas nas quais tais argumentos são ampliados sistematicamente. A razão, tal como foi reivindicada pela história como ciência, fundamenta-se nesse princípio da metodização. É com base nos princípios que tornam o pensamento histórico racional, isto é, que definem seu caráter argumentativo-fundante, que a história se constrói como especialidade [...]
Minha questão está, portanto, na investigação do modo pelo qual se constituem os fatores da matriz disciplinar, quando a história é tratada como ciência. Essa constituição se dá, quando os vários fatores se orientam pelo princípio da metodização do pensamento histórico e da ampliaçào do caráter argumentativo da sua fundamentação. Em outras palavras: a construção da ciência histórica compreende-se como impregnação de sua matriz pelo princípio da metodização. Não é no porquê da definição do pensamento histórico por interesses, ideias, métodos e formas que está o ponto de partida da sua interpretação, mas sim no como isso acontece”. (Rüsen, Jörn. Reconstrução do Passado, Brasilia: Ed. UNB, 2007, p.12-13)

É certo que Le Goff e Rüsen convergem para um ponto em comum, o pensamento histórico possui uma historicidade que está associada a tres fatores a construção no pensamento ocidental de tres fatores: racionalidade, intencionalidade, temporalidade .

Para concluir essa breve apresentação, podemos então afirmar que, estudar história é compreender não só como os homens e mulheres viveram no passado, mas a forma como podemos e efetivamente reconstruimos, por meio operações racionais (metodo), essa experência passada, não em si mesma, mas como conhecimento mediado por documentos, registros, evidências, as chamadas fontes históricas. 

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